O esgotamento de ideias é um problema
grave do qual muitas franquias não conseguem escapar. A partir de certo
episódio, a série dá sinais de estagnação ao apostar em soluções já aplicadas
antes, a fim de garantir a) o interesse do público ou b) uma narrativa
amarrada. O terror, gênero consideravelmente mais barato do que outros que
também permitem a criação de franquias de sucesso, encontra esse percalço com
muita frequência e, em 2018, um caso deixa isso bem evidente: A Primeira Noite de Crime. Não se trata
de um filme que seja exatamente ruim, mas que aparenta desgaste não só perante
o horror contemporâneo, mas também dentro de sua própria marca.
O quarto capítulo de The Purge é escrito por James DeMonaco,
diretor dos três longas anteriores, e aborda o surgimento de um novo partido
político para rivalizar com Republicanos e Democratas. O NFFA (New Founding
Fathers of America) ascende ao poder com a promessa de reduzir a violência e, como
parte desse plano, anuncia um novo experimento social: 12 horas em que o
governo incentiva o povo a extravasar de todas as formas, e todo tipo de crime,
inclusive assassinato, será permitido. A participação das pessoas não é
obrigatória, mas uma compensação de cinco mil dólares é dada aos que decidirem
ficar para o Expurgo (nome pelo qual a noite ficou conhecida).
A oferta monetária pesa na comunidade
escolhida para a primeira experiência da noite de crime. Staten Island, em Nova
York, comunidade com forte presença de negros e latinos, assolada pelo tráfico
e pela falta de recursos. Muitos cidadãos aceitam o dinheiro e ficam na comunidade,
outros tantos saem para as ruas. Entre essas pessoas, está Isaiah (Joivan
Wade), que vai atrás de revide, mentindo para sua irmã, Nya (Lex Scott Davis),
ativista anti-Expurgo e ex-namorada de Dmitri (Y’lan Noel), chefe do tráfico local.
É surpreendente a melhora das três
sequências em relação ao longa original. Lançado em 2013, Uma Noite de Crime jamais se decidia a favor de suas vítimas, o que
transformava aquele longa em um projeto de moral muito questionável. Parte
daquela impressão se dava pela escolha de uma família branca e rica como
protagonista, o que dava ao espectador a sensação de que, para James DeMonaco,
os pobres atrasavam o progresso da nação e que devíamos nos preocupar apenas
com quem tinha condições de reerguer os Estados Unidos. Ao mudar o foco para o
efeito que o Expurgo tem sobre as camadas mais baixas da sociedade e transferir
seu terror de sobrevivência para as ruas, as continuações redimiram a franquia
e, apesar das suas limitações financeiras, a transformaram em uma fantasia de
horror que encontra ecos na realidade.
A Primeira Noite de Crime continua a crítica ao racismo e ao
abismo social existentes nos EUA. Faz de seus três protagonistas vetores de um
povo que, ao se ver sem esperanças, precisa se decidir entre resistir às
tentações de viver à margem da lei ou tomar à força o que a falta de atenção dos
governos tirou deles. A crítica funciona, e parece bem equilibrada dentro do
caos abordado pelo texto. Porém, o comentário poderia ter sido muito melhor
aproveitado, sem tantos personagens secundários e subtramas desnecessárias,
como a da loja comandada por três amigos ou a central de controle que monitora a
eficácia do experimento (com a participação de Marisa Tomei como o nome famoso
que ajuda a ancorar o projeto).
Outro problema, um pouco mais grave,
diz respeito às barreiras técnicas que A
Primeira Noite de Crime precisa superar. Não que James DeMonaco fosse um
diretor muito versado, mas ele pelo menos tinha uma malandragem de cineasta de
filmes B, para mascarar a falta de recursos do projeto, ao muitas vezes
aproximar a câmera dos personagens e fazer o espectador prestar mais atenção
neles do que nos ambientes. Gerard McMurray, diretor desse quarto capítulo, não
parece entender as suas restrições orçamentárias, investindo em planos abertos, semiabertos e plongée que dão aos cenários uma artificialidade que ainda não
tinha sido percebida com tanta clareza, como na cena das explosões dos
brinquedos, por exemplo.
Entretanto, o mais grave por aqui é
falta de qualquer originalidade. É aí que entra a sensação de bloqueio criativo
mencionado no primeiro parágrafo. Se Uma
Noite de Crime: Anarquia (2014) levava a narrativa para o lado de fora e 12 Horas Para Sobreviver: O Ano da Eleição
(2016) adicionava uma dose ainda mais forte de um componente de cinema de ação,
A Primeira Noite de Crime não
apresenta quase nada para fazer o longa ser mais do que uma crítica bem-vinda,
mas com cara de repetido. The Purge
não dá sinais de estar perto de qualquer fim, mas já está na hora de uma
injeção de novidade. A reflexão proposta pela série merece muito mais do que mais
uma pá de obras requentadas.
The First Purge, Gerard McMurray, 2018