A concepção de uma cinebiografia é sempre
um momento de escolhas. Afinal, qual caminho seguir, a fim de abordar qualquer
personagem, principalmente os controversos? Logicamente, o questionamento é
sempre bem-vindo, pois como forma de arte que atinge as massas, o Cinema sempre
se beneficiará da problematização e do ato de suscitar o pensamento crítico.
Como disse o escultor britânico Antony Gormley há alguns anos, “a arte que faz
você se sentir cômodo provavelmente é artesanato, não arte. Ela se enquadrará
naturalmente nas convenções; não vai evoluir, não desafiará”. Por esse viés, uma
obra que não provoca nada é no mínimo frustrante.
Infelizmente, promover discussões não
parece ser o objetivo de O Destino de
uma Nação, que retrata um dos momentos mais difíceis da vida pública de
Winston Churchill. O longa de Joe Wright, que aborda o primeiro mês de
Churchill como primeiro-ministro (após renúncia de Neville Chamberlain), em
plena Segunda Guerra Mundial e durante o momento de maior poderio de Hitler, é
um decepcionante retrato chapa-branca, que busca apenas mitificar o líder político
britânico mais polêmico do século passado sem se preocupar em debater alguns de
seus traços mais marcantes e discutíveis.
De fato, a abordagem favorece mesmo a
idolatria. A insistência de Churchill em traçar um acordo de paz com a Alemanha em maio de 1940 o colocou em cheque perante o parlamento e o Império britânico,
mas o sucesso da Operação Dínamo, que salvou quase 300.000 soldados do cerco a
Dunquerque o transformou em símbolo, aumentou seu prestígio e restaurou sua
imagem, desgastada desde uma estratégia mal executada ainda na Primeira Guerra.
É durante esse mesmo mês de maio que Churchill faria alguns de seus mais
célebres discursos e provaria seu valor também como figura midiática.
A questão é que o recorte histórico feito
por Joe Wright e o roteirista Anthony McCarten os coloca em posição
extremamente confortável ao ignorar solenemente características contestáveis de
seu protagonista, que impossibilitam a elevação do ex-primeiro-ministro à
condição de lenda. Passando de maneira superficial por seu isolamento político (sem deixar que o espectador entenda suas trocas de partido) e sem citar, por exemplo, seu posicionamento contrário ao voto
feminino e sua fama de supremacista branco, O Destino de uma Nação não passa de uma fantasia sobre Winston Churchill
(líder feroz, estrategista genial e marido apaixonado), quase como alguém que
ignora possíveis desvios de caráter da pessoa amada.
Entretanto, se o tratamento que o roteiro
dá a seu protagonista (mostrado como um homem contestado por todos os lados que lutou sozinho contra um bando de pacifistas medrosos) carece de algumas verdades, o mesmo não pode ser dito
sobre a reconstituição de época. Wright é um cineasta conhecido por trabalhar
com direções de arte competentes (mais latentes em suas adaptações de clássicos
da literatura), e aqui não é diferente. O design de produção de Sarah Greenwood
casa perfeitamente com os figurinos de Jacqueline Durran para recriar a
Inglaterra de 1940 de maneira completamente verossímil. E a fotografia de Bruno
Delbonnel, que lança mão de uma paleta mais fria para retratar a tristeza que o
mundo enfrentava na época, se não é exatamente original, funciona.
Um outro talento do diretor inglês é a
condução de seus atores, e O Destino de
uma Nação não foge à regra, com seu elenco coeso, formado por experientes
intérpretes britânicos do porte de Kristin Scott Thomas (que encarna a resignada esposa
Clemmie), Ronald Pickup e Stephen Dillane (que vivem Neville Chamberlain e
Viscount Halifax, principais rivais políticos do protagonista), além da jovem
Lily James e do australiano Ben Mendelsohn. O forte time de coadjuvantes, no
entanto, empalidece diante de Gary Oldman, irreconhecível – a não ser pelos
olhos – sob uma maquiagem digna de prêmios. Sua composição domina a tela,
engole a todos em cena e acaba por casar perfeitamente com a imagem
inegavelmente magnética que Winston Churchill realmente possuía.
O tempo dirá como O Destino de uma Nação será lembrado. Como um longa de técnica quase
irrepreensível e com uma das melhores atuações de Gary Oldman, ou como uma representação
parcial de uma figura das mais discutidas do Século XX. É difícil se sentir
emocionado por um longa cujo texto, encantado por sua figura central, deixa de
fora todas as possíveis falhas morais do retratado. Nesse contexto, todas as suas
outras qualidades criam uma cortina, não de ferro, mas de fumaça, sobre o filme
de Joe Wright.
Darkest
Hour,
Joe Wright, 2017
1 comment:
Volta a escrever, por favor! 🙏🏾
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