Thursday, January 04, 2018

The Square: A Arte da Discórdia

Um problema recorrente de algumas obras de arte é terem criadores que pensam estar fazendo algo extremamente relevante com elas, ou que pensem que o comentário a que estão dando corpo é revolucionário, quando não as peças não são nada disso. Muitas vezes, o artista acredita ter feito um trabalho realmente novo, mas, na verdade, ele não criou nada que já não tenha existido antes. Esse é um dos temas de The Square: A Arte da Discórdia. Infelizmente, é também um dos grandes percalços enfrentados pelo próprio filme, uma comédia que, em sua sede de ser original, acaba sendo apenas enfadonha.

Dirigida por Ruben Östlund, a trama gira em torno do processo de modernização do Museu Real de Estocolmo, agora X-Royal, que tem investido em arte contemporânea. A exposição que está sendo anunciada é justamente “The Square” (ou O Quadrado, na tradução), que seria um espaço de “confiança e cuidado”, onde todos os indivíduos teriam direitos iguais. A obra, que é literalmente um quadrado desenhado com linhas brancas no chão, é um modelo utópico de sociedade e a partir dela, o roteiro (do próprio Östlund) busca comentar a alienação e o distanciamento social da alta classe europeia, tomando a sociedade sueca como microcosmo.

No centro das intenções do texto está Christian (Claes Bang), curador do museu e um tipo de subcelebridade na Estocolmo de The Square. Solteiro e muito bonito, ele desfruta de todos os privilégios possíveis, contribuídos por sua masculinidade e sucesso profissional. E, assim como a classe econômica da qual faz parte, mascara sua superioridade social com discursos e preocupações com a miséria global. Ruben Östlund tenta construir, partindo de Christian, um comentário sobre como os ricos dizem se preocupar com o mundo, mas estão sempre fechados em seus mundos particulares, sem tirar os olhos do próprio umbigo.

O problema é que as imagens buscadas pelo diretor para tal crítica raramente surtem o efeito desejado. São, em vez disso, um tanto comuns, como a pedinte que é ignorada por todos, ou os executivos de terno que lotam as ruas, sempre no celular, sem se importar com quem está habitando aquele mesmo lugar. É um retrato da arrogância e egoísmo que já foi visto muitas outras vezes no cinema e, porque a obviedade tira o impacto que a alfinetada poderia ter, parece raso.

A falta de profundidade pode ser também por causa do excesso de subtramas. O mote do privilégio masculino ganha corpo no envolvimento de Christian e a jornalista Anne (Elisabeth Moss), mas não vai muito além de dois diálogos (um, engraçadíssimo, sobre o destino de uma camisinha, e outro quando eles se encontram no museu). Já a crítica a como a própria arte causa o distanciamento das classes menos abastadas de programas culturais não ganha muito mais espaço do que o pessoal da limpeza não saber como lidar com uma peça do museu, que consiste em várias pilhas de cascalho. Gera momentos bem-humorados, mas quase nenhuma reflexão.

Falando em bom humor, o longa tem momentos inspirados nesse ponto, principalmente porque Ruben Östlund consegue começar suas cenas provocando o riso e imprimir tensão durante a piada, e o tom amargo da sua comédia, explicitado de maneira absurda pelo vídeo elaborado pelo departamento de marketing do museu, é o que The Square tem de melhor. Aliás, é desse absurdo tragicômico que vêm os dois melhores momentos do longa. No primeiro, uma performance durante um jantar critica o estado da arte e a alienação da classe que mais consome a arte contemporânea. No outro, um menino revoltado com uma atitude de Christian discute com ele em uma ótima cena.

Na sequência desse momento, Christian faz um discurso que resume bem The Square: A Arte da Discórdia. Um filme que começa a crítica de maneira local, mas que tenta expandir seu escopo para algo muito mais amplo, quase global. É como se o abismo social e o preconceito fossem gerados pelo dinheiro e pela corrupção dos valores do mundo, e que os ricos não têm muita culpa de serem assim. São produtos do meio. É um pedido de desculpas, mas feito pelos egocêntricos. Ruben Östlund mirou em muitos alvos, mas só atirou no próprio pé.

The Square, Ruben Östlund, 2017 

1 comment:

joão said...

gostei do filme e lendo seu texto achei até melhor pois fui lembrando de várias situações.

Mas de fato tem subtramas demais. Por vezes eu nem me lembrava do mote do filme que eu estava vendo