
Após a não tão fácil missão de assistir à complexa jornada de Alex, protagonista e narrador de “Laranja Mecânica”, algumas indagações ficam pairando no ar: qual é o máximo de nós que pode ser abdicado por nós mesmos para se buscar um melhor relacionamento com o meio? Será que a nossa identidade tem um preço? E a Sociedade, tem ou não a compreensão necessária para re-aceitar um indivíduo “recuperado” de sua antiga vida de perversões e exercer o dom divino do perdão? As respostas não são conseguidas no momento em que fazemos uma nova visita ao longa, e nem quando nos reservamos a um momento de reflexão sobre os inúmeros assuntos levantados por Kubrick, pois ao fazermos isso percebemos que não encontramos resposta. NÓS SOMOS A RESPOSTA. “Laranja Mecânica” é um filme que questiona a todo o momento o mundo em que vivemos e seus habitantes, que pelo uso da primeira pessoa do plural durante a maior parte desse parágrafo, nota-se facilmente quem são. E a partir daí, percebe-se que nenhum ser humano se conhece por completo, pois ainda existem diversas perguntas sobre si mesmo que ele se faz, perguntas essas que provavelmente nunca serão respondidas, e que também não pararão de ser levantadas.
Em um futuro violento (é curioso assistirmos à visão que Kubrick tinha do ano de 1995 em 1971) Alex, rapaz dotado de crueldade rara, tem o costume de sair com sua gangue à noite para espancar mendigos, roubar casas e estuprar mulheres, entre outras peripécias. Certo dia, ele se desentende com os comparsas, o que os faz sabotar a próxima aventura noturna e entregá-lo de bandeja à polícia. Na cadeia, Alex torna-se por vontade própria voluntário em um programa de reabilitação através de uma espécie de tratamento um tanto radical: Alex é obrigado a assistir a filmes que retratam atitudes parecidas com as que ele tinha fora da prisão, como estupros e espancamentos, ao mesmo tempo em que lhe injetam medicamentos que lhe causam um terrível mal-estar. Esses métodos fazem com que o nosso protagonista se transforme em um sujeito não menos mau, mas incapaz de fazer sua maldade aflorar, devido aos efeitos do tratamento. Toda vez em que Alex ameaça tomar uma “atitude mais extrema”, os enjôos e o mal-estar voltam. Assim ele é solto e, de volta ao mundo, impotente em relação à violência que o cerca, fica à mercê da vingança das pessoas a quem fez mal antes de ser pego pelas autoridades.
Stanley Kubrick sempre trabalhou com personagens “incomuns”. Em “Laranja Mecânica” Malcom McDowell fez de seu Alex Delarge um personagem tão atípico que até hoje é lembrado como o mais famoso de toda a filmografia do diretor, ao lado de Jack Nicholson e seu Jack Torrance em “O Iluminado”. A princípio um psicopata insano, Alex vai se transformando não em uma pessoa melhor, mas em um psicopata insano com a insanidade confinada. A garantia de que ela não vai aflorar são os enjôos e os terríveis desconfortos que tomam conta de seu corpo toda vez em que Alex ameaça um retorno às atividades marginais que praticava antes da reabilitação pelo Programa Ludovico. A atuação de McDowell é impressionante no que diz respeito a essa transformação, e embora um pouco caricatural, Delarge convence.
O documentário “Stanley Kubrick: Imagens de uma Vida”, revela que o diretor foi ameaçado na época do lançamento e conseqüente estouro de “Laranja Mecânica”, o que o fez, por medo, retirar a produção dos cinemas. O longa se transformou em uma referência de filme-cabeça adolescente e um fenômeno cult que fascina mesmo nos dias atuais.
Eu sempre tive muitas dificuldades ao tentar responder à clássica pergunta sobre qual o melhor filme que eu já vi, afinal a cada temporada assisto a dezenas e mais dezenas e mais dezenas de produções e até a lista dos “dez mais do ano” acaba se revelando uma árdua tarefa. E após assistir a “Laranja Mecânica”, terei ainda mais dúvidas para respondê-la. Stanley Kubrick, em um de seus mais inspirados trabalhos, presenteou o Cinema ao conceber uma obra que tem a maior das qualidades: é imortal. E pensar que eu demorei quase dezoito anos para assisti-lo...
Dirigido com competência por Kubrick, e com um roteiro invejável, “Laranja Mecânica” é, ao mesmo tempo, sincero e cínico, sério e cômico. Mais um clássico de um dos maiores cineastas de todos os tempos.
Nota: 10
2 comments:
Vi o link do seu blog lá no Cinema em Cena e resolvi dar uma espiada. Estou começando a assitir os clássicos agora e realmente Laranja Mecânica foi um dos que mais me fez pensar !!! Adorei !!! Vou dar uma olhada nos seus outros post !!!
ler todo o blog, muito bom
Post a Comment