
Mostrando uma Recife poeirenta, o universo de “Amarelo Manga” não possui mocinhos ou bandidos, e sim pessoas incomuns e dignas de pena. Após uma poderosa introdução feita por Lígia, uma das personagens do longa, somos apresentados a cada um dos principais estereótipos centrais do roteiro no início do que parece ser apenas mais um rotineiro dia: Wellington, que trabalha no abatedouro, e mantém um caso escondido com Deise; Dunga, homossexual, apaixonado por Wellington e amigo de Deise; Kika, exemplar esposa de Wellington, que desconfia da fidelidade de seu marido; Isaac, pilantra de marca maior, meio marginal, que aprecia a prática do tiro em corpos vindos do necrotério, trazidos por Rabecão, além de Lígia, dona de um botequim e que, como já foi dito, é responsável pela introdução da história.
Contado de forma crua e pesada, o roteiro de Hilton Lacerda é provocativo, interessante e deve ser encarado com seriedade, pois explicita o asco que a sociedade tem por certos tipos que a habitam. O necrófilo, o gay, a mulher certinha cheia de segredos, o adúltero, a amante, a garçonete cobiçada e o padre em conflitos são figuras participantes do script de Lacerda, que tenta a todo custo (e consegue) impressionar e chocar com diálogos cortantes, sujos, maldosos e desbocados, e que nos desperta, ao invés da habitual simpatia ou antipatia pelos personagens, pena. Trocamos os sentimentos de repulsa por piedade mas, ao mesmo tempo, agradecemos por não sermos assim. E é com esse pensamento paradoxal que assistimos, com um nó na garganta, a “Amarelo Manga”. Outro ponto forte da produção é a fotografia de Walter Carvalho. Sua câmera age de forma fantástica e atordoante pelos cenários, e os passeios aéreos pelos tetos do Hotel Texas e do abatedouro são perfeitos.
A direção de Cláudio Assis é extremamente competente. Tentando exprimir de seu elenco o máximo possível (as atuações são de fato muito boas, diga-se de passagem), Assis consegue a proeza de acrescentar mais sofrimento aos personagens do que constava no roteiro, através de uma inteligente figura de linguagem: a hipérbole. Tudo em “Amarelo Manga” é exageradamente aumentado, desde os caricaturais rostos dos personagens até a tensão que certas seqüências carregam consigo. Esse “exagero” é mortal em alguns casos, mas pode funcionar muito bem quando utilizado com inteligência, como no caso desse grandioso e modesto filme brasileiro.
O elenco trabalha de forma competente, com destaques para Matheus Nachtergaele e Dira Paes. Como Dunga, Matheus confirma seu talento como o melhor ator de sua geração ao construir um personagem cruel e simpático. Em todas as suas aparições, ficamos com aquele sorriso sarcástico no rosto, sempre com aquele pensamento de “o que será que ele vai aprontar?”. E Kika é de longe minha personagem preferida. Quieta, ela passa o filme quase todo nos preparando para o terceiro ato da trama. E quando ele chega, bem, quando ele chega, só vendo pra saber.
Embrulhante, pesado, pretensioso, contemporâneo, genial, brasileiro. “Amarelo Manga” merece ser visto e revisto, como forma de análise da crueza do homem e do nível de sadismo a que se pode chegar, ou apenas por se apreciar o bom cinema. Um filme que incomoda, e que mesmo não agradando, esquecer a experiência de tê-lo assistido é uma tarefa quase impossível.
“O ser humano é estômago e sexo”
Nota 10
1 comment:
eu não gosto desse filme..acho apenas provocante, mas sem anda de mais
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