

Sobre Meninos e Lobos evidenciou a falência do senso de justiça. Menina de Ouro dramatizou a relação mentor-aprendiz. Gran Torino exibiu a nova América, cosmopolita, do Cinema contemporâneo ao mesmo tempo em que mostrou a morte e conseqüente mitificação de um ícone. É inegável que nos últimos dez anos, o cinema de Clint Eastwood tenha reavaliado e reanalisado os temas que ele mesmo ajudou a solidificar nas telonas, o que é perfeitamente compreensível já que Clint passa dos 80 anos de idade. Além da Vida representa o próximo passo desse movimento observatório do cineasta, ao retratar três personagens tocados de formas diferentes pela morte, e o melhor: o diretor faz com o carinho e a delicadeza habituais.
Ao contrário do que vem se falando por aí, Além da Vida não é um filme espírita. Não carrega a forte e prejudicial tendência a espalhar a doutrina do péssimo Nosso Lar, ou a breguice do "outro lado" retratado em Um Olhar do Paraíso. Clint tenta fugir da armadilha, e apesar de seu filme afirmar a existência de algo após o fim, não pune os céticos e os aproveitadores. Eles estão lá, participam, ganham voz, mesmo sendo personagens totalmente descartáveis (o excesso de figuras inúteis é um dos problemas da produção), e são filmados com atenção.
As três tramas aparentemente paralelas (a repórter francesa - Cécile de France - vítima do Tsunami que devastou a Tailândia em 2004, o jovem garoto inglês que acabou de perder o irmão gêmeo - Frankie e George McLaren -, ou o médium americano vivido por Matt Damon que encara seu dom como uma maldição e tenta se afastar do contato com a morte e levar uma vida normal) são desenvolvidas sem pressa, e potencializadas pela entrega do quarteto principal, e pela participação sensível de Bryce Dallas Howard. Logicamente, como em quase todos os filmes de pluralidade narrativa, existem defeitos, e eles são culpa principalmente do casamento roteiro-direção-edição, que aposta em uma linearidade na ordem de mostrar os personagens (é sempre repórter-médium-garoto) que pode cansar depois de 70, 80 minutos, mas Além da Vida é um longa que possui mais acertos que deslizes.
Apesar da já falada linearidade engessada, o roteiro do experiente Peter Morgan não se preocupa em deixar rastros de um personagem para ser achado por outro, um recurso que Haggis e Iñárritu usaram à exaustão em Crash e 21 Gramas. Os protagonistas vão se aproximando aos poucos, lentamente, até o inevitável encontro. Essa paciência do texto encontra eco na direção de Eastwood, que não se atropela em cortes bruscos, procurando desenvolver sua narrativa através do crescente e da mistura de sentimentos, que alcança seu ápice já nos seus primeiros minutos, na maravilhosa seqüência do desastre tailandês, filmado com uma precisão cirúrgica. Roland Emmerich nunca fará igual.
2 comments:
Deve realmente ser muito bom!
"...a doutrina do péssimo Nosso Lar..." Comentáio desnecessário!
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