Existem
algumas características que fazem do cinema de Hong Sang-soo algo fascinante. A
principal delas reside na aparente simplicidade de sua linguagem, que esconde
um talento para analisar personagens e construir um cinema humano difícil de
ver hoje em dia. A Visitante Francesa,
segundo filme do coreano a estrear no circuito comercial brasileiro (o primeiro
foi Hahaha, no ano passado; os
outros acabaram restritos aos festivais), possui esse fator humano em alta
conta.
A
narrativa abre com um diálogo entre duas mulheres. Elas conversam sobre as
decisões de um parente, atitudes que levaram a família a sérias dificuldades
financeiras. Devido a isso, a mais nova das duas mulheres resolve escrever um
roteiro. O script gira em torno de uma mulher, Anne, uma francesa que chega a
uma cidadezinha no litoral sul-coreano.
Anne,
no entanto, é a protagonista de três segmentos, três versões da história.
Apesar de possuir o mesmo nome em todas as versões da trama, em cada uma a
francesa é vista e analisada por diferentes prismas.
Hong
já havia provado sua perspicácia para com os sentimentos masculinos em filmes
como o próprio Hahaha. Agora ele
demonstra sensibilidade também ao ter uma mulher como objeto central de seu
longa-metragem. Se, por exemplo, em The
Day He Arrives, de 2008, vemos um homem que tem sua vida virada de pernas para
o ar por causa de seu amor por uma mulher, aqui analisamos a narrativa sob um
ponto de vista que é quase um espelho: vemos a mulher influenciando o
comportamento masculino.
Seja
por ser europeia, seja por ser uma bela mulher aos olhos dos coreanos que a
cercam, Anne exerce fascínio inegável nos homens que a cercam nas três
narrativas, nas quais a protagonista é uma diretora (o cinema é parte essencial
na obra de Hong), uma rica mulher de um empresário, ou uma recém-divorciada. Em
todas as versões o diretor traça um panorama dos personagens e estuda suas
atitudes através de um exercício de repetição.
As
situações tendem a reacontecerem. As três Annes encontram um salva-vidas na
praia, pedem por um guarda-chuva para sua vizinha, bebem soju com alguns amigos
(bebe-se muito nos filmes de Hong), pedem ajuda para localizar um farol, e
ficam em dúvidas sobre para que lado ir em um passeio. Essa natureza cíclica
encontra afirmação no modo como ela diz muito sobre as personalidades de Anne,
que apesar de viver as situações de forma sensivelmente diferente, sente,
ama, ri da mesma forma.
A Visitante Francesa
é um caso raro na filmografia de Hong Sang-soo, por possuir como protagonista
uma estrangeira, mas ao mesmo é coerente ao tratar a imagem feminina (e não uso
o termo “imagem” à toa) como catalisadora. Por ser personagem de um roteiro e,
portanto, apenas uma projeção, Anne acaba sendo metáfora para o poder que o
Cinema tem de materializar paixões, de fazer visível para o público algo que
antes era parte do pensamento de uma pessoa.
E
essa é a marca desse cineasta coreano que, aos 53 anos, é um dos artistas mais
interessantes da atualidade: captar a essência do humano, mas brincar com a
fantasia, com o imaginário, com a magia. A magia do Cinema.
Da-reun na-ra-e-seo,
Hong Sang-soo, 2012
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