Interessante
notar que no revival dos épicos visto
nos cinemas em 2014, os filmes que se saíram melhor foram justamente os que
menos se deixaram influenciar pela pompa e megalomania geralmente associados ao
gênero. Noé, o mais importante da
temporada, se deixou afundar em um mar de pretensão, e no meio dos delírios de
grandeza mal arquitetados por Darren Aronofsky, acabou perdendo muito de sua
força. Já Pompeia, uma das maiores
surpresas do ano, caminhou na direção contrária para conseguir ser
bem-sucedido: mais modesto em suas pretensões, e sem se levar tão a sério, Paul
W. S. Anderson filmou um longa de beleza estética palpável.
E
Hércules, de Brett Ratner, mesmo sem
ser ótimo, acaba atingindo resultados positivos devido ao fato de, ao enxergar
dois caminhos pela frente, o do épico sisudo e o da diversão rasteira, optar
pelo segundo. Essa decisão já se reflete no material original do enredo,
adaptado da Graphic Novel The Thracian
Wars, de Steve Moore. O texto, de Ryan Condal e Evan Spiliotopoulos, aposta
em um vocabulário que dialoga muito mais com o público adolescente acostumado com
os arrasa-quarteirões de hoje em dia do que com o estilo narrativo que teve seu
ápice nas décadas de 1950 e 60.
A
trama aborda Hércules (Dwayne Johnson) não como o lendário semideus, herói
clássico, mas como um mercenário que percorre a Grécia ao lado de seus
companheiros (um bando de bons lutadores, além de seu sobrinho), combatendo
piratas e vilões em troca de dinheiro. Os contos de que ele é filho de Zeus e
suas aventuras, como os 12 Trabalhos, são contados pelo grupo como parte do
terror psicológico que amedronta os inimigos antes das batalhas. Nessas andanças,
a trupe (que possui Ian Mcshane e Rufus Sewell entre eles) acaba contratada pelo rei Cotis (John Hurt, completando o bom elenco, que ainda conta com Joseph
Fiennes), que deseja ser defendido contra um vilão que, comandando um exército
de centauros, ameaça seu povo. Mesmo cético em relação à existência das
criaturas, Hércules acaba aceitando o trabalho devido ao gordo pagamento
prometido.
Um
dos males dos blockbusters atuais, o realismo é bem utilizado em Hércules. Ambientar a aventura em um
mundo no qual as criaturas lendárias aparecem em versões plausíveis, e que os
traços sobrenaturais são negados a cada instante é uma decisão que se revela
eficiente, criando no espectador um sentimento de temor pelos heróis (se as
criaturas não existem talvez Hércules não seja exatamente indestrutível) que
colabora para a experiência, e que gera alguns bons momentos (como as cenas que
revelam os centauros e Cérbero, o cão de três cabeças), apesar de criar uma
subtrama envolvendo o passado do protagonista que é bem apresentada e
resolvida, mas dispensável, o que não deixa de ser um problema.
Outro
percalço atravessado pelo longa diz respeito à direção de Ratner, que apesar de
estabelecer uma mise-en-scène competente nas cenas de batalha (filmar a
pancadaria foi um dos grandes problemas que comprometeram alguns de seus
filmes, como X-Men: O Confronto Final),
se aproveita muito mal dos espaços e dos
cenários que, magnificamente construídos e sem o auxílio de CGI, deveriam ser
os destaques da produção. O diretor fecha o plano na cidade e abre demais no
deserto, quando deveria fazer o contrário. A cidade acaba parecendo pequena
demais, e nem um pouco magnânima em comparação com a vastidão das terras
inabitadas e estradas.
E
é justamente aí que Hércules perde
para Pompeia. Pois se Ratner não
compreende a necessidade de perscrutar os ambientes da maneira certa, o filme
de Anderson tem justamente nesse quesito (e na habilidade de seu diretor para
filmar em 3D) a sua maior força. Dois filmes que guardam semelhança no modo
como subvertem o épico para criarem mundos que reverenciam a herança do gênero,
mas que atingem resultados diferentes devido às capacidades díspares de seus
comandantes.
Quando
o ar de filme B é deixado de lado e a mão firme do diretor aparece para dar à
narrativa um rumo vitorioso, Pompeia
se torna quase memorável, e Hércules
se confirma como esquecível, apesar de divertido.
Hercules,
Brett Ratner, 2014 ½
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