Saturday, September 13, 2014

Hércules

Interessante notar que no revival dos épicos visto nos cinemas em 2014, os filmes que se saíram melhor foram justamente os que menos se deixaram influenciar pela pompa e megalomania geralmente associados ao gênero. Noé, o mais importante da temporada, se deixou afundar em um mar de pretensão, e no meio dos delírios de grandeza mal arquitetados por Darren Aronofsky, acabou perdendo muito de sua força. Já Pompeia, uma das maiores surpresas do ano, caminhou na direção contrária para conseguir ser bem-sucedido: mais modesto em suas pretensões, e sem se levar tão a sério, Paul W. S. Anderson filmou um longa de beleza estética palpável.

E Hércules, de Brett Ratner, mesmo sem ser ótimo, acaba atingindo resultados positivos devido ao fato de, ao enxergar dois caminhos pela frente, o do épico sisudo e o da diversão rasteira, optar pelo segundo. Essa decisão já se reflete no material original do enredo, adaptado da Graphic Novel The Thracian Wars, de Steve Moore. O texto, de Ryan Condal e Evan Spiliotopoulos, aposta em um vocabulário que dialoga muito mais com o público adolescente acostumado com os arrasa-quarteirões de hoje em dia do que com o estilo narrativo que teve seu ápice nas décadas de 1950 e 60.

A trama aborda Hércules (Dwayne Johnson) não como o lendário semideus, herói clássico, mas como um mercenário que percorre a Grécia ao lado de seus companheiros (um bando de bons lutadores, além de seu sobrinho), combatendo piratas e vilões em troca de dinheiro. Os contos de que ele é filho de Zeus e suas aventuras, como os 12 Trabalhos, são contados pelo grupo como parte do terror psicológico que amedronta os inimigos antes das batalhas. Nessas andanças, a trupe (que possui Ian Mcshane e Rufus Sewell entre eles) acaba contratada pelo rei Cotis (John Hurt, completando o bom elenco, que ainda conta com Joseph Fiennes), que deseja ser defendido contra um vilão que, comandando um exército de centauros, ameaça seu povo. Mesmo cético em relação à existência das criaturas, Hércules acaba aceitando o trabalho devido ao gordo pagamento prometido.

Um dos males dos blockbusters atuais, o realismo é bem utilizado em Hércules. Ambientar a aventura em um mundo no qual as criaturas lendárias aparecem em versões plausíveis, e que os traços sobrenaturais são negados a cada instante é uma decisão que se revela eficiente, criando no espectador um sentimento de temor pelos heróis (se as criaturas não existem talvez Hércules não seja exatamente indestrutível) que colabora para a experiência, e que gera alguns bons momentos (como as cenas que revelam os centauros e Cérbero, o cão de três cabeças), apesar de criar uma subtrama envolvendo o passado do protagonista que é bem apresentada e resolvida, mas dispensável, o que não deixa de ser um problema.

Outro percalço atravessado pelo longa diz respeito à direção de Ratner, que apesar de estabelecer uma mise-en-scène competente nas cenas de batalha (filmar a pancadaria foi um dos grandes problemas que comprometeram alguns de seus filmes, como X-Men: O Confronto Final),  se aproveita muito mal dos espaços e dos cenários que, magnificamente construídos e sem o auxílio de CGI, deveriam ser os destaques da produção. O diretor fecha o plano na cidade e abre demais no deserto, quando deveria fazer o contrário. A cidade acaba parecendo pequena demais, e nem um pouco magnânima em comparação com a vastidão das terras inabitadas e estradas.

E é justamente aí que Hércules perde para Pompeia. Pois se Ratner não compreende a necessidade de perscrutar os ambientes da maneira certa, o filme de Anderson tem justamente nesse quesito (e na habilidade de seu diretor para filmar em 3D) a sua maior força. Dois filmes que guardam semelhança no modo como subvertem o épico para criarem mundos que reverenciam a herança do gênero, mas que atingem resultados diferentes devido às capacidades díspares de seus comandantes.

Quando o ar de filme B é deixado de lado e a mão firme do diretor aparece para dar à narrativa um rumo vitorioso, Pompeia se torna quase memorável, e Hércules se confirma como esquecível, apesar de divertido.

Hercules, Brett Ratner, 2014 ½

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