Existem
dois filmes convivendo em O Homem Mais
Procurado. Um está fora de seu tempo: é o filme de espionagem clássico, de
investigações que caminham em direção oposta aos rumos que os filmes
protagonizados por James Bond e Ethan Hunt deram ao agente secreto, sendo
comandadas por homens de humor tão pálido quanto seus paletós. O outro soa
atual: a guerra ao terrorismo, que nunca saiu de moda após 11 de setembro de
2001, e instaurou uma sensação de pavor que dura até hoje.
A
questão por aqui, na verdade, é ver como essas duas naturezas convivem no campo
do anticlímax, mas nunca dão origem a uma narrativa desinteressante. Pois se a
direção de Anton Corbijn atua como uma barreira que retira o glamour da figura
do espião, o texto de Andrew Bovell adapta com eficiência o universo triste das páginas de John le Carré, autor do material original, onde a melancolia de uma investigação e seus efeitos na vida dos
envolvidos são muito mais importantes do que a investigação em si.
A
trama, que poderia ser vista como um cruzamento entre A Hora Mais Escura e O
Espião que Sabia Demais (este, também uma adaptação de um livro de Carré),
acompanha a chegada a Hamburgo do checheno Issa Karpov (Grigoriy Dobrygin),
aparentemente inofensivo (indefeso, até), mas que desperta a atenção da
Inteligência Alemã que, em investigação liderada pelo espião Günther Bachmann
(Philip Seymour Hoffman), logo percebe que o imigrante (e o dinheiro que herdou
dos negócios de seu pai) pode ser o elemento que faltava para a captura do empresário
Abdullah (Homayoun Ershadi), cujas obras de caridades escondem financiamento
terrorista. A busca por informações de Bachmann e seus comandados se torna uma
teia, que acaba envolvendo também a advogada Annabel Richter (Rachel McAdams) e
o banqueiro Tommy Brue (Willem Dafoe).
O
foco de O Homem Mais Procurado, no
entanto, não está na captura de Abdullah. Muito mais importante aqui, como na
narrativa ultra detalhista de le Carré (para quem detalhes que poderiam passar
despercebidos, como uma canção, um tipo de drink ou a dimensão exata de um
ambiente, desempenham papel fundamental no desenho daquele universo e dos
homens e mulheres que o habitam), é o corpo da investigação da equipe de
agentes (que conta com nomes como Daniel Brühl e Nina Hoss), o estabelecimento
da rede de informantes e contatos que vão ligar Karpov ao milionário, e a queda
de braço travada nos corredores entre Bachmann e seus rivais da Inteligência,
ansiosos por terem acesso à operação.
É
aí que o longa ganha as nuances dos grandes filmes de espionagem, estudando os
efeitos de uma vida de segredos e frustrações no comportamento de seu
protagonista. Günther é o clássico herói do gênero, investigador habilidoso e
implacável (chegando ao ponto de chantagear emocionalmente familiares de seus
investigados), capaz de entender as camadas de sua operação e as motivações de
todos ao seu redor, mas que envergado por Seymour Hoffman com o talento que
marcou sua carreira, ganha o espectador em uma composição entre as mais
marcantes do ano. Por trás de toda a bebida e o fumo incessante, ele esconde a
frustração por um fracasso recente, que o roteiro de Bachmann expõe em diálogos
com Martha Sullivan, vivida por Robin Wright.
A
melancolia do universo de Günther se reflete na câmera de Corbijn, cada vez
mais habilidosa, que mantém certa distância nas cenas, investe em ângulos que
mergulham seus personagens constantemente nas sombras, e conta com a fotografia
de Benoît Delhomme para mergulhar o longa em uma paleta fria (dessaturada,
variando basicamente entre o cinza e o azul) e criar cenas de beleza estética
inegável, como os diálogos entre Annabel e Issa no esconderijo, ou a gravidade
conferida à assinatura de um papel (e aí o cineasta conta também com a
eficiente trilha de Herbert Grönemeyer) no terceiro ato, sequência que inicia a
resolução da trama e que casa perfeitamente com o tom de desesperança costurado
até então.
Por
momentos como esse O Homem Mais
Procurado se garante como um dos melhores filmes de 2014. E pela reação de
Bachmann ao fim da projeção, Seymour Hoffman, um dos maiores de sua geração, se
garante para sempre como saudade no coração dos cinéfilos.
A Most Wanted Man, Anton Corbijn, 2014
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