Dentre todos os remakes de marcos do
terror vistos nos anos 2000 (Halloween,
A Hora do Pesadelo, Sexta-Feira 13, Dia dos Namorados Macabro, A
Morte do Demônio, Carrie),
nenhum parecia ser uma empreitada tão arriscada quanto Poltergeist: O Fenômeno. Uma refilmagem do longa de 1982 carregava
consigo não só a responsabilidade de recontar aquela que é considerada por
muitos a história de casas malditas definitiva, mas também o fato de precisar
lidar com a impossibilidade de se abordar o comentário que o original fazia
sobre a família americana, e que simplesmente não cabe mais em 2015.
A saída encontrada pelo roteiro de David
Lindsay-Abaire é esperta: se antes a trama focava em como a América era uma
terra reinada pelo desencanto dos anos 70 (a destruição gradual da casa dos
Freeling por espíritos do passado é um simbolismo nada sutil), dessa vez o que
cerca os protagonistas é a crise econômica americana, tratada aqui com estranha
relevância, mesmo após quase uma década de sua eclosão. Nessa ambientação, a
narrativa acompanha a família Bowen, que chega à nova vizinhança,
consideravelmente mais em conta, após o
pai, Eric (Sam Rockwell), perder o emprego. O bairro, construído ao lado de uma
estação de distribuição elétrica, é o cenário ideal para a recuperação
financeira dos Bowen e inicialmente aparenta ser o responsável pelos incidentes
de estática (como cabelos arrepiados ao tocar uma maçaneta ou choques levados
no corrimão da escada). É nesse contexto que o poltergeist se manifesta na casa
envelhecida da família, atacando os filhos mais velhos de Eric e Amy (Rosemary
DeWitt), Kendra (Saxon Sharbino) e Griffin (Kyle Carlett) e sequestrando a jovem
Madison (a lindinha Kennedi Clements).
A decisão de se atualizar o subtexto (a
crise financeira e o mercado imobiliário estão para a década atual assim como a
herança do Vietnã e do Watergate estavam para a América dos anos 1980) é
inteligente para que o remake de Poltergeist:
O Fenômeno não soe como mera cópia de seu irmão mais velho. Seria fácil
cair nessa armadilha em uma obra com tantas referências feitas através da
semelhança visual. Com o auxílio da direção de arte de Martin Gendron e os
figurinos de Delphine White, o diretor Gil Kenan não parece interessado em
esconder o tom de tributo, e se abre mão dos acordes da clássica trilha de Jerry
Goldsmith, um deslize quase imperdoável, a fotografia de Javier Aguirresarobe emula
o trabalho de Matthew F. Leonetti na obra original, principalmente no
ensolarado primeiro ato.
Quanto ao desenrolar da trama, Gil Kenan e
sua equipe bagunçam a ordem dos acontecimentos do filme de Hooper (que muitos
alegam ter apenas assinado um trabalho todo comandado por Steven Spielberg, mas
isso não vem ao caso), em parte para garantir ao espectador alguma surpresa e
em parte para aplacar o fã mais fervoroso. A impressão que dá é que a dupla
pensou que se dessem logo tudo o que a plateia quer, sobraria tempo para que
eles imprimissem sua visão. Talvez por isso mesmo a segunda metade da projeção
guarde as maiores diferenças com o longa clássico. A aparição dos personagens
de Jane Adams e Jared Harris (como versões bem menos carismáticas
da Dra. Lesh de Beatrice Straight e da paranormal Tangina vivida em 1982 por Zelda Rubinstein) e o uso do drone de Griffin
em momento importante da narrativa arejam e renovam Poltergeist que, sim, adquire certa personalidade.
Infelizmente, no afã de conseguir uma cara
própria para seu filme, o texto de Lindsay-Abaire mexe em um ponto que era
central no script original de Spielberg. Ao alterar o protagonismo no resgate de
Madison, o roteirista incorre no terrível erro de reduzir a importância de Amy
a zero. É justamente nesse momento que Kenan derrapa em suas ambições. Talvez
seduzido pelas possibilidades de orçamento, ele investe em tomadas que
perscrutam o interior da dimensão na qual Madison está aprisionada, mas o
excesso de computação gráfica enfraquece o que deveria ser um dos pontos altos
da produção. O resultado, com cara de videogame, é quase risível, ao contrário
dos efeitos práticos e muito mais eficientes de outrora.
Por outro lado, é louvável o tom que Kenan
imprime no remake, apostando em uma leveza rara, já mostrada antes pelo cineasta
na animação A Casa Monstro, e que ao
mesmo tempo em que presta homenagens ao seu antecessor (a citação ao cemitério
no jantar e a mão que sai da lama para agarrar Kendra pelo pé são impagáveis),
ajuda a compor o visual, com sua câmera investigando a casa e revelando
aposentos comuns (muito menos assustadores do que os claramente amaldiçoados
cômodos da mansão de Invocação do Mal,
de James Wan, por exemplo), e criando no espectador um temor latente pela vida
dos Bowen, família comum, com uma vida comum. Gente como a gente.
Isso sem mencionar o fato de que o diretor
conseguiu algo que parecia impossível a princípio: dirigiu com competência,
apesar dos altos (muitos) e baixos (que também não são tão poucos), uma
história que contorna um legado e acha, no meio de tanta reverência, certa
novidade. Gil Kenan tem uma refilmagem para chamar de sua.
Poltergeist, Gil Kenan, 2015
2 comments:
Achei o filme bom. E a cena da lama tbm me lembrou Poltergeist 2.
Nem curto o filme original. acho um tanto exagerado.
Já esse aqui achei muito bom.
sem grandes exageros e com boa dose de tensão.
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