Existem
alguns motivos que explicam o porquê de Chatô,
O Rei do Brasil poder ser facilmente considerado a estreia mais
surpreendente de 2015. Em primeiro lugar, a própria chegada do longa aos
cinemas já foi um choque: quinze anos após ser filmada, e tendo o diretor
Guilherme Fontes enfrentado batalhas judiciais acerca da produção (os créditos
finais do filme acusam as autoridades de tentativa de censura, mas as questões
legais acabaram envolvendo também o uso da verba captada para as filmagens), a
obra acabou se tornando parte do folclore do cinema brasileiro pós-Retomada.
Outro
ponto faz com que o filme de Fontes seja singular: mesmo apresentado ao público
com tanto atraso, e com as ilustres participações dos já falecidos atores José
Lewgoy e Walmor Chagas, ele não soa datado. Pelo contrário, ao escolher a
chanchada, abordagem brasileiríssima de histórias idem, Chatô se torna um filme atemporal.
A
trama, escrita pelo diretor a partir do livro homônimo de Fernando Morais,
conta de forma ficcional a trajetória de Assis Chateaubriand (Marco Ricca, que
brilha no melhor trabalho se sua carreira) rumo ao poder, tendo sido um dos
homens mais ricos e influentes do Brasil no século XX. A questão aqui é que o
que poderia se tornar uma cinebiografia acadêmica e cheia de solenidade
encontra na comédia um artifício competente para fugir do tedioso. O julgamento
que conduz a narrativa, uma versão teatralizada e mística dos programas de
auditório brasileiros (sendo Chacrinha o maior representante), com ecos das
reflexões bergmanianas sobre a
juventude com a embalagem de uma comédia de Fellini, evidencia as influências
europeias na construção de um longa que soa apaixonado pelo Brasil.
Fontes
escolhe abrir mão da ordem cronológica em prol do dinamismo. Estruturalmente,
essa parece mesmo ter sido a melhor decisão, por dar a Chatô uma cara de sátira insana, que parodia as décadas em que
Chateaubriand viveu, partindo do fim, seu leito de morte, para o início, sua
juventude, seus estudos, até a chegada ao Rio, as esposas (vividas por Letícia
Sabatella e Leandra Leal), as outras mulheres de sua vida, a construção de seu
império da comunicação, e seu relacionamento com a política brasileira, em
especial com o governo de Getúlio Vargas (Paulo Betti).
A
chanchada aparece no tom da trama, em momentos como a solução encontrada por
Chateaubriand para a falta de TVs no Brasil na época da criação da TV Tupi, nos
diálogos (“Se esse padre soubesse quanto custa uma câmera dessa, não jogaria
mijo de anjo em cima dela”) e em como a narrativa se utiliza da figura
feminina, as esposas de Chatô e principalmente Vivi (Andréia Beltrão), mulher
que sempre exerceu fascínio e influência no magnata, como catalisadora dos acontecimentos
que se desenrolam na tela. O ciúme e a lascívia guiam não só o milionário como
outros personagens em muito eventos que marcariam a vida do País, como a prisão
do protagonista, por exemplo, ou o Atentado na Rua Tonelero.
Guilherme
Fontes merece créditos por ter feito um filme que, megalomaníaco, cheio de
influências e escrachado, parece atual após quase duas décadas. Seus detratores
podem acusá-lo da excessiva abordagem televisiva de seus enquadramentos, sempre
fechados, e de seus establishing shots,
ou da forma como dirige seus atores, com exceção de Ricca, como se estivessem
em uma comédia global de fim de ano. Independente dos percalços, este é um
filme que merece ser visto pela sua visão antropofágica: em uma época em que o
cinema brasileiro bebia diretamente de fontes estrangeiras, especialmente Hollywood
(vide O que é Isso, Companheiro? e Cidade de Deus), Chatô, o Rei do Brasil funde Cidadão
Kane à própria história da comunicação brasileira e ao midiatismo da nossa
política, e se desenvolve, de cocar na cabeça e peixeira na cintura, como uma
ode ao nosso bundalelê.
Chatô, o Rei do Brasil,
Guilherme Fontes, 2015 ½
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