Saturday, December 05, 2015

Chatô, o Rei do Brasil

Existem alguns motivos que explicam o porquê de Chatô, O Rei do Brasil poder ser facilmente considerado a estreia mais surpreendente de 2015. Em primeiro lugar, a própria chegada do longa aos cinemas já foi um choque: quinze anos após ser filmada, e tendo o diretor Guilherme Fontes enfrentado batalhas judiciais acerca da produção (os créditos finais do filme acusam as autoridades de tentativa de censura, mas as questões legais acabaram envolvendo também o uso da verba captada para as filmagens), a obra acabou se tornando parte do folclore do cinema brasileiro pós-Retomada.

Outro ponto faz com que o filme de Fontes seja singular: mesmo apresentado ao público com tanto atraso, e com as ilustres participações dos já falecidos atores José Lewgoy e Walmor Chagas, ele não soa datado. Pelo contrário, ao escolher a chanchada, abordagem brasileiríssima de histórias idem, Chatô se torna um filme atemporal.

A trama, escrita pelo diretor a partir do livro homônimo de Fernando Morais, conta de forma ficcional a trajetória de Assis Chateaubriand (Marco Ricca, que brilha no melhor trabalho se sua carreira) rumo ao poder, tendo sido um dos homens mais ricos e influentes do Brasil no século XX. A questão aqui é que o que poderia se tornar uma cinebiografia acadêmica e cheia de solenidade encontra na comédia um artifício competente para fugir do tedioso. O julgamento que conduz a narrativa, uma versão teatralizada e mística dos programas de auditório brasileiros (sendo Chacrinha o maior representante), com ecos das reflexões bergmanianas sobre a juventude com a embalagem de uma comédia de Fellini, evidencia as influências europeias na construção de um longa que soa apaixonado pelo Brasil.

Fontes escolhe abrir mão da ordem cronológica em prol do dinamismo. Estruturalmente, essa parece mesmo ter sido a melhor decisão, por dar a Chatô uma cara de sátira insana, que parodia as décadas em que Chateaubriand viveu, partindo do fim, seu leito de morte, para o início, sua juventude, seus estudos, até a chegada ao Rio, as esposas (vividas por Letícia Sabatella e Leandra Leal), as outras mulheres de sua vida, a construção de seu império da comunicação, e seu relacionamento com a política brasileira, em especial com o governo de Getúlio Vargas (Paulo Betti).

A chanchada aparece no tom da trama, em momentos como a solução encontrada por Chateaubriand para a falta de TVs no Brasil na época da criação da TV Tupi, nos diálogos (“Se esse padre soubesse quanto custa uma câmera dessa, não jogaria mijo de anjo em cima dela”) e em como a narrativa se utiliza da figura feminina, as esposas de Chatô e principalmente Vivi (Andréia Beltrão), mulher que sempre exerceu fascínio e influência no magnata, como catalisadora dos acontecimentos que se desenrolam na tela. O ciúme e a lascívia guiam não só o milionário como outros personagens em muito eventos que marcariam a vida do País, como a prisão do protagonista, por exemplo, ou o Atentado na Rua Tonelero.

Guilherme Fontes merece créditos por ter feito um filme que, megalomaníaco, cheio de influências e escrachado, parece atual após quase duas décadas. Seus detratores podem acusá-lo da excessiva abordagem televisiva de seus enquadramentos, sempre fechados, e de seus establishing shots, ou da forma como dirige seus atores, com exceção de Ricca, como se estivessem em uma comédia global de fim de ano. Independente dos percalços, este é um filme que merece ser visto pela sua visão antropofágica: em uma época em que o cinema brasileiro bebia diretamente de fontes estrangeiras, especialmente Hollywood (vide O que é Isso, Companheiro? e Cidade de Deus), Chatô, o Rei do Brasil funde Cidadão Kane à própria história da comunicação brasileira e ao midiatismo da nossa política, e se desenvolve, de cocar na cabeça e peixeira na cintura, como uma ode ao nosso bundalelê.

Chatô, o Rei do Brasil, Guilherme Fontes, 2015 ½

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