Saturday, June 03, 2017

Mulher-Maravilha


Ao longo de quatro anos, em apenas três filmes, a DC Comics viu sua nova investida cinematográfica surgir e falhar de maneira categórica. O Homem de Aço (2013) e Batman vs. Superman: A Origem da Justiça (2016), ambos de Zack Snyder, não obtiveram sucesso na função que tinham de estabelecer um tom mais sombrio, menos inocente, para que o universo surgido a partir deles fosse diferente, em estilo e personalidade, daquele explorado pela Marvel, gigante dos quadrinhos que tem obtido muito mais êxito nas telas. E Esquadrão Suicida (David Ayer, 2016) acabou se tornando uma das piores adaptações de quadrinhos de todos os tempos, incapaz de contar uma história que entendesse seus personagens ou o propósito daquela equipe.

A decisão tomada pela DC, logicamente, foi dar um passo atrás, analisar os erros até ali, e controlar um pouco a ambição de já nascer gigante. E o longa da Mulher-Maravilha, primeira heroína da editora a chegar aos cinemas após os fracassos recentes, reflete bem o momento. Uma obra menor, mais contida, e que se preocupa mais com contar uma história que funcione por si só do que conectar sua protagonista com outros filmes e heróis. A trama, escrita por Allan Heinberg e dirigida por Patty Jenkins, aborda a juventude da princesa Diana (Gal Gadot) e seus primeiros desafios como a amazona que foi treinada desde criança pela tia, Antíope (Robin Wright), na mítica cidade de Themyscira.

Apesar de se tratar também de uma história de origem, as diferenças entre este filme e O Homem de Aço e Esquadrão Suicida, que também contavam os primeiros desafios de seus protagonistas, são gritantes, principalmente no que diz respeito ao tom da aventura. Mulher-Maravilha é um longa que, em sua primeira metade, aposta em cores quentes e cenários (cortesia do design de produção de Aline Bonetto) que em nada lembram o pessimismo ou o peso que se abatiam sobre os outros longas da franquia.

Themyscira é retratada em um tom leve que chega a ser surpreendente para o espectador, acostumado com as sombras de antes. Uma ilha habitada apenas por mulheres, governada pela rainha Hipólita (Connie Nielsen), e onde Diana vive e treina durante sua juventude. É apenas após o militar inglês Steve Trevor (Chris Pine) cair de avião no local que a princesa se lança em uma jornada por uma Europa destroçada pela Grande Guerra. Diana acredita que os conflitos que se abatem sobre o continente são obra de Ares, o deus grego da guerra, que estaria agindo através do general Luddendorf (Danny Huston) e parte em sua caça.

Diferente de Batman vs. Superman, que jogava citações aos quadrinhos sem nenhum critério, chegando ao ponto de apresentar o conceito da Liga da Justiça sem que isso tivesse a mínima conexão com a trama, Mulher-Maravilha é um longa que trata melhor suas referências, mais sóbrias, sem homenagens a outros heróis, vilões e histórias que não girem em torno da Princesa Amazona. O longa passeia por diferentes faces da personagem, de menções aos gibis, algumas óbvias (a estética dos seus dois primeiros atos, que lembram muito o traço de George Pérez, responsável por uma das melhores fases da heroína nos quadrinhos, nos anos 80) e outras belas (a importância histórica da personagem no fortalecimento do feminismo na metade do século XX).

Este é um filme de narrativa simples e que percorre com clareza a jornada, não só da personagem (de jovem ávida pela chance de guerrear a pacifista convicta) como do herói clássico. Vemos Diana se interessar pela batalha ainda nova, ser treinada, descobrir que possui poderes que ainda não lhe foram explicados e partir para a primeira missão de sua vida. A transição, após seu primeiro contato com os homens – primeiro Trevor, e depois o batalhão de alemães que vão ao seu encalço – é feita de maneira elegante, em uma viagem de barco durante uma noite que parece continuar nos dias cinzentos da Londres em guerra. A partir daí, a despeito de alguns momentos inspirados (o figurino civil que Gal Gadot veste, que a deixa parecida com Lynda Carter), o longa perde força por se render demais ao que é mais convencional, inclusive cometendo erros comuns dos filmes do gênero.

Um dos grandes percalços do texto de Heinberg é não conseguir criar coadjuvantes que surjam interessantes para o espectador. Os traumas dos amigos de Steve Trevor, que formam com ele uma equipe para auxiliar Diana, jamais ganham substância. O passado e os eventos que levaram Chief (Eugene Brave Rock), Charlie (Ewen Bremmer) e Sameer (Saïd Taghmaoui) até aquele momento ficam sempre no campo da superficialidade e seus talentos nunca afloram, como se eles não servissem para qualquer coisa que não fosse conversar em volta de uma fogueira, servir cerveja e tocar violão, entre outras trivialidades.

Outro problema que vem se tornando clichê nas adaptações de hqs é a falta de bons vilões. Mulher-Maravilha é um filme que não foge à regra, subaproveitando a Doutora Veneno (Elena Anaya), reduzida a capanga, e transformando o esperado encontro da heroína com Ares (após uma revelação que chega a ser risível de tão óbvia) numa luta exagerada, cheia de efeitos especiais e demonstrações de poder (ainda que menos destrutiva do que o criticado embate final de O Homem de Aço), uma luta que aproxima o filme dos longas anteriores deste universo e trai o que havia acontecido até ali (muita qualidade de design e efeitos, menos pretensão), no clímax mais decepcionante da temporada.

De qualquer maneira, Mulher-Maravilha é um respiro da DC nas telas. Um longa que funciona mais do que seus antecessores, e é hermético, podendo ser assistido e apreciado sem prévio contato com as outras adaptações da editora para os cinemas. Possui várias qualidades, como cenas de ação bem dirigidas por Patty Jenkins (a invasão dos soldados à ilha é um primor) e um humor que funciona, principalmente no choque cultural da protagonista em seu primeiro contato com o mundo longe de casa e as pontas de Lucy Davis como Etta, secretária de Steve. Infelizmente, em seu terceiro ato desastroso, quase põe tudo a perder ao se render à megalomania e ao lugar-comum. Que em suas próximas aparições, a princesa de Themyscira encontre roteiros que sejam menos medrosos, e que encarem os clichês como Diana enfrenta um mundo dominado por homens.

Wonder Woman, Patty Jenkins, 2017 

1 comment:

joão said...

È um bom filme.

E também achei exagero a luta final.