Wednesday, July 19, 2017

Paixão Obsessiva

Os gêneros cinematográficos são reconhecidos por suas características narrativas mais presentes. Alguns filmes, inclusive, funcionam até melhor quando reconhecem os clichês dos estilos a que pertencem e jogam com as expectativas do público. Muitas vezes, o motivo de um filme ser eficiente não é o fato de ele apresentar novidades ou surpreender no desfecho, mas simplesmente ser um cinema simples e bem feito, que se aproveita de reviravoltas clássicas e consegue ser interessante. Paixão Obsessiva poderia ser um bom exemplo de um longa sem grandes ambições, mas divertido. Não é o caso, entretanto, em grande parte pela incapacidade da diretora Denise Di Novi e da roteirista Christina Hodson de entenderem os lugares-comuns do gênero que abraçam.

A trama acompanha a editora Julia (Rosario Dawson), que se muda para o interior para começar uma nova vida ao lado do noivo, David (Geoff Stults). A mudança de ares parece perfeita para ela, não só para planejar seu casamento e trabalhar em um novo romance, como também para se livrar de vez das memórias da violência doméstica da qual foi vítima em um relacionamento passado. Ao chegar ao novo lar, Julia conhece Lily (Isabella Kai Rice) e Tessa (Katherine Heigl), filha e ex-esposa de David, respectivamente. Enquanto se adapta à nova rotina, Julia vê a sua convivência com Tessa cada vez mais difícil.

Em linhas gerais, a trama de Paixão Obsessiva não se difere muito dos suspenses sensuais que diretores como James Foley, Barry Levinson e Adrian Lyne dirigiram entre o fim dos anos 80 e o início da década seguinte.  O que o roteiro não consegue entregar, no entanto, vai além da superfície. O texto de Christina Hodson confunde convenções de gênero com pobreza narrativa e não constrói nenhum personagem tridimensional, criando estereótipos (a protagonista traumatizada, o noivo apaixonado, a ex maluca) que apenas são capazes de atitudes estúpidas, como aceitar quase sem pensar duas vezes o convite para almoçar com um desafeto, ou o momento em que uma personagem invade uma casa (que não estava vazia) para roubar objetos como um relógio, uma calcinha e um anel de noivado em plena luz do dia, e ainda sai sem ser notada.

Sobre a ausência de verossimilhança em tais situações, elas casam perfeitamente com o website que fornece TODAS as informações que Tessa precisa para fazer da vida de sua inimiga um inferno, e com cenas como a que, durante um jantar de negócios, um casal levanta da mesa quase na mesma hora e vai transar no banheiro, como se ninguém fosse perceber o que os dois faziam se demoravam a voltar e não estavam em lugar algum (falta, novamente aqui, o cinismo de Paul Verhoeven ou a sensualidade dos filmes do já citado Lyne para que a cena funcione).

Tudo em Paixão Obsessiva soa falso, desde o chat do Facebook que dois personagens usam para manter contato até as motivações dos personagens (Julia não penteia bem o cabelo de Lily, e por isso precisa ser morta). É infeliz a mania que o cinema americano tem de achar razões para a maldade de seus vilões. É como se Hollywood não fosse mais capaz de possuir personagens realmente maus, ou doidos sem motivo aparente. Tudo precisa ser explicado, toda loucura e atitude ruim tem de ser redimida, principalmente se for por causa de uma infância horrível. Tessa não seria uma péssima pessoa se não fosse oprimida pela mãe (Cheryl Ladd, capaz de perguntar crueldades como "você não assou os scones?") e traumatizada desde adolescente, quando o pai saiu de casa, o que soa ofensivo não só pela estupidez do argumento, mas também pela inaptidão em estudar as condições psicológicas de uma das principais figuras do enredo.

O que também contribui para o desastre é a direção de Denise Di Novi, que estreia no comando de um longa-metragem, após uma carreira como produtora. A inabilidade da cineasta em extrair atuações convincentes de seu elenco é clara (Rosario Dawson e Katherine Heigl entregam composições que estão sempre alguns tons acima do ideal, ao contrário de Geoff Stults, sempre inexpressivo), e a obviedade de seus planos faz bom par com a inabilidade da diretora em trabalhar com o editor Frédéric Thoraval para organizar as cenas da forma correta ou mais coerente. Da forma como foi montado, a trama parece um gigantesco flashback durante a maior parte de sua duração, o que provavelmente não era a intenção inicial.

São muitos defeitos em um filme que, ainda assim, por ser curto, poderia ser involuntariamente cômico o suficiente para não ser uma tragédia completa. O que o coloca facilmente entre os piores thrillers da década, no entanto, vai além de problemas técnicos ou narrativos. O maior desastre dentro da experiência de assistir a Paixão Obsessiva é a decepção de ver um filme escrito, dirigido e protagonizado por mulheres que nada mais é do que uma história sobre duas mulheres, inteligentes e que poderiam ser muito bem-sucedidas, mas que ficam o tempo todo brigando por um cara. O título original desta bomba é Inesquecível, mas bem que poderia ser Imperdoável.

Unforgettable, Denise Di Novi, 2017 

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