Tuesday, October 24, 2017

A Guerra dos Sexos

Filmes de boxe nunca são sobre lutas e cinturões. Independente da qualidade, de Touro Indomável (Scorsese, 1980) a A Luta pela Esperança (Howard, 2005), de Clint Eastwood a Antoine Fuqua, os longas ambientados no mundo do boxe são famosos por utilizarem narrativas que têm os ringues como cenário para estudo de personagem e que analisam de forma crítica questões sociais importantes através dos olhos de seus protagonistas. Quando bem trabalhado, o subgênero entrega pequenas obras-primas sobre a vida. Quando feito com menos talento, ele só se realiza mesmo na hora da pancadaria.

A Guerra dos Sexos é sobre um outro esporte, é verdade, mas toma para si o modus operandi dos filmes de boxe ao recontar a histórica partida de tênis entre Billie Jean King, que em 1973 era a melhor jogadora do mundo, e Bobby Riggs, ex-jogador e um apostador compulsivo. O confronto ficou conhecido como uma disputa entre as mulheres e o chauvinismo, dado o engajamento de Billie Jean em causas feministas (e sempre falando em defesa do tênis feminino) e as declarações machistas do fanfarrão Riggs, e o longa de Jonathan Dayton e Valerie Faris se debruça sobre o caso com carinho na reconstituição de época.

O cuidado estético é, inclusive, um dos grandes acertos do projeto. A dedicação à ambientação fica clara desde antes dos créditos. O design de produção de Judy Becker funciona, aliado à fotografia de Linus Sandgren e aos figurinos de Mary Zophres, para que o espectador tenha noção de que tudo aconteceu há mais de 40 anos e entenda a dimensão da coragem que uma mulher precisava para se rebelar, quando os direitos femininos eram vistos como piada por grande parte da sociedade norte-americana. O grande problema é que a competência técnica jamais encontra eco no roteiro de Simon Beaufoy, que não consegue dar profundidade aos temas propostos pela narrativa.

As manobras que Beaufoy toma para desenvolver a trama são simplistas. Os atos estão bem definidos, mas os dramas são pedestres. Tudo se resolve de maneira instantânea (a expulsão das tenistas da USTA, por exemplo, é tratada em um diálogo de menos de 10 segundos e retomado em outra conversa entre os mesmos personagens no terceiro ato), como se o filme tivesse pressa para chegar logo ao momento da partida entre Billie Jean e Riggs. O texto é preguiçoso também ao não conseguir fazer mais do que criar tipos (a empresária atenciosa, a esposa decepcionada, o engravatado preconceituoso, a rival com estilo de vida oposto) que se comportam como pessoas reais, mas que jamais soam verossímeis.

Já a direção de Dayton e Faris não faz muito diferente do estilo adotado no ótimo Pequena Miss Sunshine (2006) e em Ruby Sparks: A Namorada Perfeita (2012), seus dois trabalhos anteriores: insere leveza no registro de uma história que carrega certa carga de dramaticidade. Infelizmente, pela urgência e universalidade do seu comentário, o longa acaba parecendo leve demais, ao ponto de seu discurso não chegar a lugar algum. O resultado é melhor do que Ruby Sparks (que não passava de um exercício de pretensão), mas A Guerra dos Sexos parece ficar pelo meio do caminho, apesar do talento dos diretores para conduzir o elenco (que conta com Bill Pullman, Alan Cumming e Sarah Silverman em papéis menores), em especial os dois protagonistas, em composições brilhantes.

Como Billie Jean King, Emma Stone consegue vencer o desenho preguiçoso que o texto faz de sua personagem. A protagonista poderia acabar soando apenas aborrecida, já que é pintada como uma mulher apenas preocupada com sua performance e dada a discursos. Mas é comovente a entrega da atriz, que transforma Billie Jean em uma mulher forte, sim, mas real, com dúvidas e aflições tocantes e um olhar que comove, principalmente quando se envolve com a cabeleireira Marilyn (Andrea Riseborough). E Steve Carell mais uma vez comprova seu talento ao dar vida ao midiático Bobby Riggs quase como uma versão de Michael Scott (personagem que o ator viveu na série The Office) com doses cavalares de machismo, mas que desmonta em um diálogo com a esposa Priscilla (Elisabeth Shue).

As atuações e a reconstituição de época são os pontos altos de um filme que se sabota o tempo todo, iniciando discussões sobre feminismo e homofobia, mas constantemente abandonando o engajamento devido a um roteiro tolo e seus personagens unidimensionais. Este poderia ser um registro indispensável nesses tempos que veem o fortalecimento do conservadorismo e o abafamento das vozes que ainda se levantam pelo fim da intolerância, mas em vez de se tornar uma peça de resistência necessária na Era Trump, se contenta em ser só um simpático relato de um momento importante. Como em alguns filmes de boxe, aqueles não tão bons, A Guerra dos Sexos se sai muito melhor como distração do que como manifesto.

Battle of the Sexes, Jonathan Dayton e Valerie Faris, 2017 ½

No comments: