Thursday, November 02, 2017

Bom Comportamento

Não é à toa que os irmãos Benny e Joshua Safdie se tornaram dois dos nomes mais quentes do cinema independente norte-americano nos últimos anos. Com pouco mais de trinta anos de idade e quase uma década depois do lançamento de seu primeiro longa-metragem, os Safdie vêm construindo uma filmografia coesa em qualidade, mas também em temática, ambientação e referências. Sendo constantemente comparados a John Cassavetes, pela maneira como integram atores amadores e profissionais para contarem histórias que soem reais, os cineastas acabam encontrando par também em nomes como Martin Scorsese e Abel Ferrara, por abordarem tipos marginais em filmes que se comportam como crônicas sobre Nova York.

Analisado pelo desenvolvimento de personagens, Bom Comportamento, o novo filme dos irmãos Safdie, é irmão dos três primeiros longas de ficção da dupla: é um integrante natural de uma filmografia que conta com The Pleasure of Being Robbed (2008), Traga-me Alecrim (2009) e Amor, Drogas e Nova York (2014), que tinham como protagonistas homens e mulheres que estavam (ou precisavam estar) em vários lugares ao mesmo tempo, aplacando o seu caos interior no caos urbano da maior metrópole do mundo. E em constante movimento está também Connie (Robert Pattinson), desesperado para arrumar os dez mil dólares que ajudarão a libertar Nick (Benny Safdie), seu irmão deficiente mental, preso por sua causa após um assalto.

Em questão de horas, Connie vai esbarrar com tipos dos mais diversos na sua epopeia em busca do dinheiro. Vemos o rapaz entrar em contato com a amante (Jennifer Jason Leigh) e conhecer a adolescente Crystal (Taliah Webster) e o traficante Ray (Buddy Duress), em uma madrugada que parece muito mais longa do que o normal (assim como Traga-me Alecrim também aparentava acontecer durante um tempo muito mais longo do que as duas semanas em que a história transcorre), justamente porque o protagonista não fica em um lugar por muito tempo, sempre correndo por uma Manhattan obscura e pouco atraente.

Além de coerente com a obra dos Safdie, Bom Comportamento representa também uma evolução dos cineastas: é um passo em direção a um cinema de gênero mais definido (Amor, Drogas e Nova York, por exemplo, tinha ares de melodrama, mas Josh e Benny estavam mais preocupados com a fusão de rigor e improviso que tinha virado a marca de seu cinema), e toca em assuntos que ainda não haviam sido explorados por eles, como a questão racial e o abismo social. Connie, na melhor performance da carreira de Pattinson, carrega o olhar do espectador por uma cidade que é microcosmo dos Estados Unidos e transforma o longa em uma peça crítica à organização sociopolítica norte-americana atual.

Por isso tudo, o ambiente é bem mais do que cenário por aqui. O local dos acontecimentos do roteiro de Ronald Bronstein e Benny Safdie é personagem, tão importante quando as pessoas que povoam a tela e são filmadas muitas vezes em plano fechado, como se os diretores estivessem buscando algo a mais naqueles indivíduos periféricos. Fica a impressão de que a narrativa não aconteceria sem Connie, Nick, Ray e Crystal, mas ainda mais urgente, não poderia se desenrolar em outro lugar que não este. Josh e Benny são nova-iorquinos claramente interessados em descortinar sua cidade natal, e seus trabalhos compreendem uma intenção não de serem ode, mas relato.

Dessa vez, ao contrário dos seus longas anteriores, a solução encontrada pelos Safdie para validarem a sua visão sobre a ambientação não foi o drama, mas o cinema policial, e eles resolvem narrar Bom Comportamento quase como se Caminhos Perigosos (Martin Scorsese, 1973) fizesse parte da tradição de filmes que se passam no decorrer de uma noite. É difícil não imaginar que a missão do ladrão vivido por Pattinson é quase impossível e tem cheiro de tragédia, já que tudo está comprimido em um espaço de tempo tão curto. Mas no fim, para bem ou para mal, acaba sendo um alívio saber que Connie e Nick acabaram mesmo onde deveriam ficar.

Good Time, Benny Safdie e Josh Safdie, 2017 

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