Sunday, October 14, 2018

A Primeira Noite de Crime


O esgotamento de ideias é um problema grave do qual muitas franquias não conseguem escapar. A partir de certo episódio, a série dá sinais de estagnação ao apostar em soluções já aplicadas antes, a fim de garantir a) o interesse do público ou b) uma narrativa amarrada. O terror, gênero consideravelmente mais barato do que outros que também permitem a criação de franquias de sucesso, encontra esse percalço com muita frequência e, em 2018, um caso deixa isso bem evidente: A Primeira Noite de Crime. Não se trata de um filme que seja exatamente ruim, mas que aparenta desgaste não só perante o horror contemporâneo, mas também dentro de sua própria marca.

O quarto capítulo de The Purge é escrito por James DeMonaco, diretor dos três longas anteriores, e aborda o surgimento de um novo partido político para rivalizar com Republicanos e Democratas. O NFFA (New Founding Fathers of America) ascende ao poder com a promessa de reduzir a violência e, como parte desse plano, anuncia um novo experimento social: 12 horas em que o governo incentiva o povo a extravasar de todas as formas, e todo tipo de crime, inclusive assassinato, será permitido. A participação das pessoas não é obrigatória, mas uma compensação de cinco mil dólares é dada aos que decidirem ficar para o Expurgo (nome pelo qual a noite ficou conhecida).

A oferta monetária pesa na comunidade escolhida para a primeira experiência da noite de crime. Staten Island, em Nova York, comunidade com forte presença de negros e latinos, assolada pelo tráfico e pela falta de recursos. Muitos cidadãos aceitam o dinheiro e ficam na comunidade, outros tantos saem para as ruas. Entre essas pessoas, está Isaiah (Joivan Wade), que vai atrás de revide, mentindo para sua irmã, Nya (Lex Scott Davis), ativista anti-Expurgo e ex-namorada de Dmitri (Y’lan Noel), chefe do tráfico local.

É surpreendente a melhora das três sequências em relação ao longa original. Lançado em 2013, Uma Noite de Crime jamais se decidia a favor de suas vítimas, o que transformava aquele longa em um projeto de moral muito questionável. Parte daquela impressão se dava pela escolha de uma família branca e rica como protagonista, o que dava ao espectador a sensação de que, para James DeMonaco, os pobres atrasavam o progresso da nação e que devíamos nos preocupar apenas com quem tinha condições de reerguer os Estados Unidos. Ao mudar o foco para o efeito que o Expurgo tem sobre as camadas mais baixas da sociedade e transferir seu terror de sobrevivência para as ruas, as continuações redimiram a franquia e, apesar das suas limitações financeiras, a transformaram em uma fantasia de horror que encontra ecos na realidade.

A Primeira Noite de Crime continua a crítica ao racismo e ao abismo social existentes nos EUA. Faz de seus três protagonistas vetores de um povo que, ao se ver sem esperanças, precisa se decidir entre resistir às tentações de viver à margem da lei ou tomar à força o que a falta de atenção dos governos tirou deles. A crítica funciona, e parece bem equilibrada dentro do caos abordado pelo texto. Porém, o comentário poderia ter sido muito melhor aproveitado, sem tantos personagens secundários e subtramas desnecessárias, como a da loja comandada por três amigos ou a central de controle que monitora a eficácia do experimento (com a participação de Marisa Tomei como o nome famoso que ajuda a ancorar o projeto).

Outro problema, um pouco mais grave, diz respeito às barreiras técnicas que A Primeira Noite de Crime precisa superar. Não que James DeMonaco fosse um diretor muito versado, mas ele pelo menos tinha uma malandragem de cineasta de filmes B, para mascarar a falta de recursos do projeto, ao muitas vezes aproximar a câmera dos personagens e fazer o espectador prestar mais atenção neles do que nos ambientes. Gerard McMurray, diretor desse quarto capítulo, não parece entender as suas restrições orçamentárias, investindo em planos abertos, semiabertos e plongée que dão aos cenários uma artificialidade que ainda não tinha sido percebida com tanta clareza, como na cena das explosões dos brinquedos, por exemplo.

Entretanto, o mais grave por aqui é falta de qualquer originalidade. É aí que entra a sensação de bloqueio criativo mencionado no primeiro parágrafo. Se Uma Noite de Crime: Anarquia (2014) levava a narrativa para o lado de fora e 12 Horas Para Sobreviver: O Ano da Eleição (2016) adicionava uma dose ainda mais forte de um componente de cinema de ação, A Primeira Noite de Crime não apresenta quase nada para fazer o longa ser mais do que uma crítica bem-vinda, mas com cara de repetido. The Purge não dá sinais de estar perto de qualquer fim, mas já está na hora de uma injeção de novidade. A reflexão proposta pela série merece muito mais do que mais uma pá de obras requentadas.

The First Purge, Gerard McMurray, 2018 

1 comment:

João Luiz said...

Não gosto do primeiro filme, justamente por achar que a moral do mesmo não tava clara.

Adoro o segundo e osto muito do terceiro e desse.

Curti a ideia da central de intelgencia, que é fundmental para as manipulações.

So achei que cansa o excesso de tiroteio que fica maior que a historia.