Saturday, February 05, 2011

O Vencedor


The Fighter, David O. Russell, 2010

O Vencedor aposta em uma estratégia não muito inteligente logo em seus segundos iniciais: ao exibir o letreiro “Baseado em fatos reais”, os realizadores mostram uma covardia desnecessária, amadora e principalmente injusta. A malfadada frase, tão utilizada em produções sem brilho, que tentam aguçar a curiosidade ou a sensibilidade do espectador perante a situações reais a fim de conseguir público, aqui é exibida sem razão. Apesar de a história do ex-campeão mundial dos pesos-leves Micky Ward e de seu irmão Dicky Ecklund, lenda do boxe que passou de promessa a decepção ao jogar sua carreira fora por causa do crack ser real, o novo filme de David O. Russell seria assistido e reverenciado de qualquer forma, não por ser verídico, mas por ser um esforço de beleza por vezes monumental.

Mas monumental, porém, não deve ser entendido como original, pois o longa, indicado a sete Oscars, possui todos os clichês possíveis e imagináveis dos filmes de boxe, e todas as reviravoltas esperadas por qualquer um que tenha assistido a meia-dúzia de produções do gênero. Está tudo lá: a família misturada à carreira do atleta, os dramas pessoais, a namorada de gênio difícil, a imagem esfacelada do ídolo que se perdeu, que se torna ainda mais dolorida por se tratar do próprio irmão de Micky.

Ao gastar tempo com pequenas bobagens, como a batida e triste montagem que mostra a passagem de tempo através de imagens do treinamento de Micky, ou as demonstrações de raiva da ex-mulher do boxeador, O Vencedor caminha também (mas não cai, vale ressaltar) muito próximo de uma linha perigosa, aquela que separa o grande filme esportivo do exagero e do pastiche que sabotou e destruiu tentativas malsucedidas como A Luta Pela Esperança, que se perdeu em poucos minutos, no melodrama acentuado de Ron Howard e na cara de banana de Russel Crowe.

Então, onde está a tal beleza?

Está no texto preciso de Scott Silver, Eric Johnson e Paul Tamasy, que entenderam que tais clichês e lugares-comuns são por vezes necessários para se criar um legítimo filme de gênero. Está na direção contida e inteligentíssima de David O. Russell, diretor amante de soluções visuais inusitadas, mas que aqui respeita a formalidade da trama e utiliza seu apuro visual de uma forma diferente, fazendo sua narrativa mudar de tom diversas vezes, da metalinguagem escancarada pela gravação do documentário na primeira metade de projeção até as transmissões das lutas, passando pela rigidez dos romances esportivos. A beleza está em Melissa Leo, Amy Adams e Mark Whalberg. A beleza está principalmente em Christian Bale, com uma atuação monstruosa. Dicky Ecklund morre e renasce em diversas situações (para o boxe, para a fama, para si mesmo), e Bale mostra isso com competência ímpar, calando a boca de quem já torceu o nariz para ele (eu inclusive), provando que se o título do filme, o original ou o brasileiro, aponta para um personagem, esse não é Micky Ward.
Dicky erra, é imperfeito, mas luta e vence. Assim como Christian Bale. Assim como esse filme.

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