Monday, January 16, 2012

O Espião que Sabia Demais


Esse é um filme deslocado no tempo, típico dos anos 70, época de Pollack e Lumet, de Três Dias do Condor e Todos os Homens do Presidente. Época em que, conduzidos por bons diretores, os filmes de espionagem eram verdadeiras peças filosóficas sobre o papel de uma guerra de fantasia na vida das pessoas. O Espião que Sabia Demais, de Tomas Alfredson, faz o mesmo, mas agora em 2011 o efeito é ainda mais devastador: afinal, mais de 20 após o fim da Guerra Fria, de que serviu toda essa tensão, toda essa intriga e mortes inúteis?
                                             
Habitado por personagens que se tratam por apelidos, e há muito não sabem o valor de ser feliz, a trama do longa é redondinha, cheia de reviravoltas e personagens que guardam segredos sobre quem seria o traidor entre os principais líderes do MI-6, o serviço de inteligência e espionagem britânico, mas quem ficar focado apenas na revelação dos fatos não aproveitará o que o trabalho do diretor sueco tem de melhor: as nuances. A direção de arte investe no cinza e no marrom e a fotografia mergulha o mundo em sombras, para dizerem muito sobre os personagens. A trilha sonora surge particularmente triste, e auxiliada por um design de som brilhante (repare a tensão gerada pelo som da passos à distância, um ventilador e um papel de bala), e o cineasta se utiliza de tudo isso, mais o texto preciso, para esfregar as reflexões na cara do espectador através do que está se tornando sua marca: o papel da violência.

Alfredson ficou famoso após o sucesso do maravilhoso Deixe Ela Entrar, um poderoso estudo de personagens travestido de filme de vampiro que fazia uso do sangue de maneira peculiar, pontual, ilustrando a natureza de seus personagens e da própria produção, que era um filme de terror em sua essência. Em O Espião que Sabia Demais, ele utiliza a mesma estratégia; os surtos de violência são poucos, esparsos, escassos, mas de efeito inegável. Os questionamentos são claros: vale à pena morrer por uma causa? Não valeu à pena morrer por “aquela” causa, que se revelou sem sentido, apenas alguns homens sentados em uma mesa brincando de mandar, com o fim da Guerra Fria, em 1989.

Existem alguns filmes que são verdadeiros relógios em toda sua complexidade. Tudo funciona, da direção de arte, passando por fotografia, trilha sonora, roteiro, até chegar ao elenco, todos os elementos parecem ajustados, afinados para que a produção seja apreciada por diferentes prismas. Nas mãos de Tomas Alfredson, O Espião que Sabia Demais se torna um desses casos raros, uma obra de camadas onde tudo está no seu devido lugar e serve de maneira orgânica à narrativa. E quem se mantiver preso à beleza e ao rigor de apenas um quesito vai perder o melhor, já que Alfredson lança mão dessa engrenagem quase perfeita por uma causa ainda maior, que é rever a História e pensar o mundo.

Tinker, Tailor Soldier, Spy, Tomas Alfredson, 2011 

2 comments:

Raquel Raposo said...

Muito bom texto, meu bem. Pena que não posso falar muito sobre esse filme ainda. Vou assistir de novo!

joao said...

interessante, mas achei cansativo.
seu texto é bem melhor que o filme