Friday, August 16, 2013

Somos Tão Jovens

Existe uma armadilha perigosa que aprisiona as cinebiografias musicais. De Cazuza a Jim Morrison, passando por Johnny Cash, Luiz Gonzaga e até o documentário sobre Katy Perry, praticamente todos os exemplares do subgênero (com exceção de Não Estou Lá, sobre Bob Dylan, e quase tão genial quanto o músico) caem nas garras do didatismo exagerado e de um respeito tão grande pelo retratado que impede a narrativa de abordar com clareza pontos importantes, mas polêmicos da vida do artista.

Contudo, apesar dos percalços durante a projeção, alguns desses filmes geralmente conseguem escapar de críticas mais pesadas graças ao talento do ator que interpreta o protagonista e a um terceiro ato redentor, que mostra o personagem vencendo, dando a volta por cima, ou em paz, enquanto imagens de alguns de seus shows clássicos são exibidas, com letreiros sobrepostos que enviam o espectador para fora daquele universo com uma sensação de que valeu a pena assistir ao seu ídolo mais uma vez, agora nas telas.

Talvez esteja aí o grande problema de Somos Tão Jovens. Apesar de reverenciar o talento de Renato Russo durante seus 104 minutos, das boas interpretações (em especial de Laila Zaid, que faz Ana Claudia, a melhor amiga de Russo) e da boa reta final da narrativa, o texto de Marcos Bernstein escolhe um recorte da vida do músico (de sua adolescência à fundação da Legião Urbana, passando pelos primeiros shows com o Aborto Elétrico) que era promissor, mas que como cinema, deixa muito a desejar, impedindo inclusive que as estratégias citadas no parágrafo anterior surtam o efeito desejado.

A impressão que dá é que Bernstein e o cineasta Antonio Carlos da Fontoura quiseram agradar a todo mundo: fãs, familiares e amigos de Russo. Durante as pesquisas para a feitura do roteiro Maria do Carmo Manfredini, mãe de Renato, teria dito que não queria uma cinebiografia de um roqueiro bissexual e drogado que morreu de AIDS. De acordo com ela, esse filme já existe e se chama Cazuza – O Tempo Não Para. Com o impedimento de tratar abertamente as questões da sexualidade e das drogas na cinebiografia de Russo (que são ora sugeridas, ora tratadas de forma rápida e rasa) e com a obrigação de reverenciar o talento do artista, escolheu-se um ponto de vista que compromete muito o resultado de Somos Tão Jovens: o de mostrar apenas a arte de Renato Russo.

Não que a adolescência e o florescimento do talento não sejam momentos importantes da vida de um artista, ou que não mereçam ser exibidos, muito pelo contrário, mas com as barreiras narrativas impostas, o texto parece apaixonado demais por Russo. Thiago Mendonça, seu intérprete, até que tentou. Ele se esforça muito, se preparou, até cantou ele mesmo as músicas que tocam durante o longa. Mas quando o protagonista entra em um diálogo, e percebemos que tudo o que sai de sua boca é poesia (como se Renato soubesse que fazia parte de um filme, e que por isso precisava falar bonito e citar letras de canções), fica claro que Bernstein não conseguiu, ou não quis, fazer mais do que enaltecer. E Fontoura, o diretor, vai na onda, se derretendo pelo retratado em cada enquadramento.

Desde o início de Somos Tão Jovens, com sua versão instrumental para Tempo Perdido acompanhando a revelação de fotos de infância, que o espectador desconfia do que virá por aí. Extremamente burocrático e sem se aprofundar no que seria realmente interessante (a vida pessoal longe da música, as relações de Renato Russo com as drogas, sua sexualidade, o processo criativo de suas canções), o filme de Antonio Carlos da Fontoura em momento algum se esforça para ser mais do que apenas mais um produto a enaltecer o espírito artístico e o talento de Russo. Como se precisássemos de um filme (bem meia-boca, vale dizer) para descobrirmos isso.

Somos Tão Jovens, Antonio Carlos da Fontoura, 2013 

2 comments:

joão said...

"Thiago Mendonça, seu intérprete, até que tentou. Ele se esforça muito, se preparou, até cantou ele mesmo as músicas que tocam durante o longa. Mas quando o protagonista entra em um diálogo, e percebemos que tudo o que sai de sua boca é poesia (como se Renato soubesse que fazia parte de um filme, e que por isso precisava falar bonito e citar letras de canções"


genial. acho que é um dos seus melhores textos

Vitor said...

Muito obrigado pela força, meu amigo!