Existe
uma armadilha perigosa que aprisiona as cinebiografias musicais. De Cazuza a
Jim Morrison, passando por Johnny Cash, Luiz Gonzaga e até o documentário sobre Katy Perry,
praticamente todos os exemplares do subgênero (com exceção de Não Estou Lá, sobre Bob Dylan, e quase tão
genial quanto o músico) caem nas garras do didatismo exagerado e de um respeito
tão grande pelo retratado que impede a narrativa de abordar com clareza pontos
importantes, mas polêmicos da vida do artista.
Contudo,
apesar dos percalços durante a projeção, alguns desses filmes geralmente
conseguem escapar de críticas mais pesadas graças ao talento do ator que
interpreta o protagonista e a um terceiro ato redentor, que mostra o personagem
vencendo, dando a volta por cima, ou em paz, enquanto imagens de alguns de seus
shows clássicos são exibidas, com letreiros sobrepostos que enviam o espectador
para fora daquele universo com uma sensação de que valeu a pena assistir ao seu
ídolo mais uma vez, agora nas telas.
Talvez
esteja aí o grande problema de Somos Tão
Jovens. Apesar de reverenciar o talento de Renato Russo durante seus 104
minutos, das boas interpretações (em especial de Laila Zaid, que faz Ana
Claudia, a melhor amiga de Russo) e da boa reta final da narrativa, o texto de
Marcos Bernstein escolhe um recorte da vida do músico (de sua adolescência à
fundação da Legião Urbana, passando pelos primeiros shows com o Aborto Elétrico)
que era promissor, mas que como cinema, deixa muito a desejar, impedindo
inclusive que as estratégias citadas no parágrafo anterior surtam o efeito
desejado.
A
impressão que dá é que Bernstein e o cineasta Antonio Carlos da Fontoura
quiseram agradar a todo mundo: fãs, familiares e amigos de Russo. Durante as
pesquisas para a feitura do roteiro Maria do Carmo Manfredini, mãe de Renato,
teria dito que não queria uma cinebiografia de um roqueiro bissexual e drogado
que morreu de AIDS. De acordo com ela, esse filme já existe e se chama Cazuza – O Tempo Não Para. Com o
impedimento de tratar abertamente as questões da sexualidade e das drogas na
cinebiografia de Russo (que são ora sugeridas, ora tratadas de forma rápida e
rasa) e com a obrigação de reverenciar o talento do artista, escolheu-se um
ponto de vista que compromete muito o resultado de Somos Tão Jovens: o de mostrar apenas a arte de Renato Russo.
Não
que a adolescência e o florescimento do talento não sejam momentos importantes
da vida de um artista, ou que não mereçam ser exibidos, muito pelo contrário,
mas com as barreiras narrativas impostas, o texto parece apaixonado demais por
Russo. Thiago Mendonça, seu intérprete, até que tentou. Ele se esforça muito, se
preparou, até cantou ele mesmo as músicas que tocam durante o longa. Mas quando
o protagonista entra em um diálogo, e percebemos que tudo o que sai de sua boca
é poesia (como se Renato soubesse que fazia parte de um filme, e que por isso
precisava falar bonito e citar letras de canções), fica claro que Bernstein não
conseguiu, ou não quis, fazer mais do que enaltecer. E Fontoura, o diretor, vai
na onda, se derretendo pelo retratado em cada enquadramento.
Desde
o início de Somos Tão Jovens, com
sua versão instrumental para Tempo Perdido acompanhando a revelação de fotos de
infância, que o espectador desconfia do que virá por aí. Extremamente
burocrático e sem se aprofundar no que seria realmente interessante (a vida
pessoal longe da música, as relações de Renato Russo com as drogas, sua
sexualidade, o processo criativo de suas canções), o filme de Antonio Carlos da
Fontoura em momento algum se esforça para ser mais do que apenas mais um
produto a enaltecer o espírito artístico e o talento de Russo. Como se
precisássemos de um filme (bem meia-boca, vale dizer) para descobrirmos isso.
Somos Tão Jovens, Antonio Carlos da Fontoura, 2013 

2 comments:
"Thiago Mendonça, seu intérprete, até que tentou. Ele se esforça muito, se preparou, até cantou ele mesmo as músicas que tocam durante o longa. Mas quando o protagonista entra em um diálogo, e percebemos que tudo o que sai de sua boca é poesia (como se Renato soubesse que fazia parte de um filme, e que por isso precisava falar bonito e citar letras de canções"
genial. acho que é um dos seus melhores textos
Muito obrigado pela força, meu amigo!
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