Tuesday, October 22, 2013

Harry & Sally - Feitos Um para o Outro

Quando Harry & Sally – Feitos Um para o Outro tem início (tela preta, letras brancas), o espectador mais desavisado poderia pensar se tratar de mais uma comédia de Woody Allen. Filmes como Annie Hall, Manhattan e Hannah e Suas Irmãs são influência direta no romance que Rob Reiner dirigiu a partir do roteiro de Nora Ephron, sobre um homem (Billy Crystal) e uma mulher (Meg Ryan) que não se dão bem no início, depois acabam se tornando melhores amigos, antes de se descobrirem completamente apaixonados um pelo outro.

É, eu sei, resumida em duas linhas, a trama de Harry & Sally passa descaradamente pelos clichês mais clássicos das comédias românticas. Mas isso não é exatamente um problema para um gênero que (assim como eu disse sobre o terror em meu texto sobre Invocação do Mal) é muito mais gostoso quando abraça os estereótipos.

Pois o modo como eles são aproveitados talvez seja a maior virtude do roteiro de Nora, que nunca mais (seja dirigindo ou escrevendo) foi tão encantadora. Os lugares-comuns do gênero são tratados com carinho, pois a autora acredita que seu filme não se sustentaria sem eles. Por exemplo: Os amigos do casal principal (interpretados por Carrie Fischer e Bruno Kirby) não são apenas artifícios utilizados como alívio cômico ou “voz da razão”, e apesar de não terem importância crucial no desenrolar da narrativa, recebem destaque, quase como se a roteirista estivesse utilizando seu texto para estudar e observar as engrenagens que movimentam a comédia romântica.

Outra qualidade da escrita de Ephron, e que Reiner e a dupla formada por Crystal e Ryan entenderam muito bem, é como trabalhar a relação entre seus protagonistas, que se apaixonam gradualmente enquanto e conforme conversam. E é aí, mais do que as letras brancas no fundo preto, do que a ambientação nova-iorquina e do que a canção “Let’s Call the Whole Thing Off”, é aí que Harry & Sally presta homenagem e reverencia Woody Allen. Os dois personagens principais são extremamente interessantes e interessados um pelo outro e, mesmo discordando, a cada teoria louca sobre relacionamentos tecida por Harry, Sally não consegue ficar calada. Assim como Harry nunca se omite quando sente vontade de dar sua opinião sobre algum assunto sobre o qual Sally decida falar.

Essa dinâmica entre os protagonistas rende ao menos dois momentos fabulosos. Em um, Reiner mostra toda a sua sensibilidade ao dividir a tela e incluir os dois personagens conversando ao telefone enquanto assistem a Casablanca. Em outro, ao ouvir Harry discordar da possibilidade de alguma mulher já ter fingido orgasmo na cama com ele, Sally resolve encenar um na mesa de um restaurante. A clássica cena do orgasmo fingido termina com uma senhora na mesa ao lado, interpretada pela mãe de Reiner, dizendo “vou querer o mesmo que ela está comendo”.

A cada diálogo eles se conhecem mais, e aí reside a genialidade do título original. Harry & Sally, aliado ao subtítulo Feitos Um para o Outro, além de pouco original, prefere ser direto ao ponto, expondo a inevitabilidade do surgimento do amor entre os dois. Já When Harry Met Sally... aposta em uma saída mais poética, romântica, como se a frase que nomeia o filme fosse o início de uma história que merece ser contada, assim como os felizes casais de senhores que, com seus depoimentos, enriquecem a experiência, e as reticências que se seguem comportam os 96 minutos que preenchem o longa-metragem.
                    
Poucas vezes o ato de se apaixonar foi tão bem filmado.

When Harry Met Sally..., Rob Reiner, 1989 

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