Quando
Harry & Sally – Feitos Um para o
Outro tem início (tela preta, letras brancas), o espectador mais desavisado
poderia pensar se tratar de mais uma comédia de Woody Allen. Filmes como Annie Hall, Manhattan e Hannah e Suas
Irmãs são influência direta no romance que Rob Reiner dirigiu a partir do
roteiro de Nora Ephron, sobre um homem (Billy Crystal) e uma mulher (Meg Ryan) que
não se dão bem no início, depois acabam se tornando melhores amigos, antes de
se descobrirem completamente apaixonados um pelo outro.
É,
eu sei, resumida em duas linhas, a trama de Harry & Sally passa
descaradamente pelos clichês mais clássicos das comédias românticas. Mas isso
não é exatamente um problema para um gênero que (assim como eu disse sobre o
terror em meu texto sobre Invocação do
Mal) é muito mais gostoso quando abraça os estereótipos.
Pois
o modo como eles são aproveitados talvez seja a maior virtude do roteiro de
Nora, que nunca mais (seja dirigindo ou escrevendo) foi tão encantadora. Os
lugares-comuns do gênero são tratados com carinho, pois a autora acredita que
seu filme não se sustentaria sem eles. Por exemplo: Os amigos do casal
principal (interpretados por Carrie Fischer e Bruno Kirby) não são apenas
artifícios utilizados como alívio cômico ou “voz da razão”, e apesar de não
terem importância crucial no desenrolar da narrativa, recebem destaque, quase
como se a roteirista estivesse utilizando seu texto para estudar e observar as
engrenagens que movimentam a comédia romântica.
Outra
qualidade da escrita de Ephron, e que Reiner e a dupla formada por Crystal e
Ryan entenderam muito bem, é como trabalhar a relação entre seus protagonistas,
que se apaixonam gradualmente enquanto e conforme conversam. E é aí, mais do
que as letras brancas no fundo preto, do que a ambientação nova-iorquina e do
que a canção “Let’s Call the Whole Thing Off”, é aí que Harry & Sally presta homenagem e reverencia Woody Allen. Os
dois personagens principais são extremamente interessantes e interessados um
pelo outro e, mesmo discordando, a cada teoria louca sobre relacionamentos
tecida por Harry, Sally não consegue ficar calada. Assim como Harry nunca se
omite quando sente vontade de dar sua opinião sobre algum assunto sobre o qual
Sally decida falar.
Essa
dinâmica entre os protagonistas rende ao menos dois momentos fabulosos. Em um, Reiner
mostra toda a sua sensibilidade ao dividir a tela e incluir os dois personagens
conversando ao telefone enquanto assistem a Casablanca. Em outro, ao ouvir Harry discordar da possibilidade de
alguma mulher já ter fingido orgasmo na cama com ele, Sally resolve encenar um
na mesa de um restaurante. A clássica cena do orgasmo fingido termina com uma
senhora na mesa ao lado, interpretada pela mãe de Reiner, dizendo “vou querer o
mesmo que ela está comendo”.
A
cada diálogo eles se conhecem mais, e aí reside a genialidade do título
original. Harry & Sally, aliado
ao subtítulo Feitos Um para o Outro,
além de pouco original, prefere ser direto ao ponto, expondo a inevitabilidade
do surgimento do amor entre os dois. Já When
Harry Met Sally... aposta em uma saída mais poética, romântica, como se a
frase que nomeia o filme fosse o início de uma história que merece ser contada,
assim como os felizes casais de senhores que, com seus depoimentos, enriquecem
a experiência, e as reticências que se seguem comportam os 96 minutos que
preenchem o longa-metragem.
When Harry Met Sally..., Rob Reiner, 1989
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