Para
um filme que foi alardeado como o mais transgressor da carreira de Lars von
Trier, é decepcionante notar a forma moralista como Ninfomaníaca vai desenhando sua protagonista. Inicialmente projetado
como um longa-metragem que analisaria as motivações e o vício sexual de Joe,
personagem vivida por Charlotte Gainsbourg, em 5h30 de duração, o filme foi
mutilado na sala de edição (cerca de 90 minutos foram cortados) e dividido em
dois, por razões comerciais ou pura picaretagem, não importa.
Essa
primeira parte, chamada Volume I,
traz as primeiras duas horas da trama que, escrita por von Trier, acompanha
Joe, mulher que é resgatada por um homem após ser encontrada machucada e
largada em um beco. Em sua casa o homem, Seligman (encarnado por Stellan Skarsgård) cuida de Joe e percebe seus machucados. A mulher começa então a lhe contar a história de sua vida (e uma das primeiras frases que diz, "eu sou um ser humano ruim", será a linha que acompanhará seu raciocínio), soa boa relação com o pai (mas nem tanto com a mãe), e seus inúmeros casos com diferentes homens, que provavelmente a levaram aos motivos pelos quais ela foi largada no meio da rua.
A
partir daí, o espectador é levado a presenciar uma série de flashbacks que revelam
uma faceta inevitavelmente episódica do longa e remontam a trajetória de Joe
que, ninfomaníaca assumida, em momento algum aparenta amor próprio ou pena de
si. Essa falta de amor próprio representa um dos maiores problemas ideológicos
da narrativa. O roteiro vai aos poucos revelando o uso do sexo não como ferramenta
de prazer, mas como pecado, que Joe cometeu em abundância e que agora, suja,
ensanguentada e abandonada em um beco, merece pagar.
É
um ponto de vista perigosamente moralista que von Trier, mestre da autopromoção
e da geração de expectativa (aqui representada por uma estratégia de marketing
interessantíssima que destacava o elenco estelar em cartazes provocantes),
deveria ter evitado. Ao desenvolver sua personagem por esse viés, ele amarra
sua narrativa em uma teia da qual dificilmente a segunda metade da produção,
marcada para chegar aos cinemas ainda em 2014, conseguirá escapar.
Esse
moralismo encontra ecos, inclusive, no quarto em que Joe e Seligman (“selig” em
alemão, pode ser lido como “abençoado”) conversam e na mise-en-scène que dispõe
os personagens como se o homem fosse um padre e Joe a fiel a se confessar. Seligman,
portanto, poderia ser visto como a representação nas telas da persona do
próprio diretor que, claramente fascinado com as implicações psicológicas do
ato sexual, se coloca em cena para ouvir de Joe e exercitar seu espírito voyeur.
Por
falar em voyeurismo, vale apontar a timidez com que o cineasta filma suas cenas
de sexo. Para um diretor que trabalha como poucos no campo do choque, em alguns
momentos seu filme parece um pornô B bem desajeitado, que pouco mostra e quase
nada sente, ficando muito atrás do que Azul
é a Cor Mais Quente e Um Estranho no
Lago fizeram recentemente pela representação da sexualidade no cinema. As
transas da jovem Joe (com desconhecidos e com Shia LeBeouf) estão muito longe
da natureza libertária prometida pelo dinamarquês.
Já
esteticamente, esse Volume I é
eficaz na maneira como consegue isolar os flashbacks da juventude de Joe (que
relatam as experiências de Joe com diferentes parceiros em diferentes momentos
da vida e que são, aparentemente fechados em si) ao mesmo tempo em que os une na
paleta fria da fotografia de Manuel Alberto Claro. Infelizmente, apesar da proposta visual arrojada, Ninfomaníaca
é um filme imperfeito por não encontrar meios de se despir de juízos de valor
ao retratar a sua protagonista.
O von Trier esteta prefere o caminho das metáforas e da simbologia para o
estudo psicológico das motivações e do
passado de Joe. Só que as tais metáforas (a pesca, os números de Fibonacci, a botânica, Bach e a polifonia), propostas por Seligman, podem ser um
embuste já que ele próprio havia contado uma história falsa sobre a importância
do garfo de bolo na Revolução Russa. E se tudo for um engodo? A segunda parte
talvez solucione o enigma. Nesse exato momento, porém, com apenas metade da empreitada (um coito interrompido cinematográfico), não consigo saber se o
diretor é um gênio ou um golpista de primeira.
Nymphomaniac – Volume I, Lars von Trier, 2013
2 comments:
Achei o filme muito bom em alguns momentos, mas bem arrastado em outros.
acho que ela ser uma pessoa ruim não me pareceu moralista, mas ela faz sexo usando ps outros e sem pena e acho que isso a torna uma pessoa pelo menos não muio agradável e não pelo sexo em si sem compromisso. a cena de Uma thurman é sensacional. e o diretor mostra que está manipulando quando ela diz: voce vai aproveitar minha historia melhor se acreditar em mim ou não?
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