O
documentário é, reconhecidamente, o gênero que prima pela verdade. Mesmo em
investigações complexas a câmera do diretor, ao perscrutar rostos, ou paisagens,
sempre busca descortinar, soprar a poeira sobre a história e ir atrás dela, da
verdade, mesmo que não seja a única e que diferentes pontos de vista pensem de
maneiras diferentes. Muitas vezes, porém, no afã de se conseguir um impacto
aliado, o cineasta imprime um discurso desnecessário por cima das imagens, demonstrando
descuido ou uma falta de confiança na força do material bruto.
O Prisioneiro da Grade
de Ferro se livra do estigma da redundância com maestria. É,
em sua essência, uma coleção de imagens e depoimentos feitos durante sete meses
no ano que antecedeu a demolição do Carandiru, reduzido a pó 2002, e que fora ao
mesmo tempo o maior complexo penitenciário da América Latina e o palco do massacre
de 111 detentos pelas mãos de policiais no que ficou conhecido como A Chacina
do Carandiru. No entanto, é de carne e osso o objeto de estudo de Paulo
Sacramento, em sua estreia no comando de longas-metragens.
O
diretor se importa mais com os efeitos do encarceramento em um dos sistemas
penitenciários mais vergonhosos do planeta do que com pedra e ferro, e demonstra
isso já na abertura de seu trabalho: enquanto letreiros curtos resumem a
história recente da prisão, o espectador vê-se envolto em uma fumaça branca que
é projetada na tela e se movimenta de maneira estranha. Percebe-se em pouco
tempo que a fumaça é uma imagem gerada de trás para frente, que busca voltar no
tempo, antes da implosão do complexo.
De
um monte de escombros, em tempo reverso, vemos o milagre da reconstrução e o
Carandiru aparece imponente e pronto para a câmera, que adentra os corredores
em busca dos personagens que habitam aquele universo. No registro dos presos, o
cineasta aplica o golpe que eleva seu filme à categoria de obra-prima: a fim de
captar o que fundamentalmente compõe aquelas pessoas, ele entrega uma das
filmadoras nas mãos dos detentos, enquanto os segue com outra. Ao tomar tal
decisão, Sacramento filma, se deixa filmar e reconhece sua impotência, deixando
a narrativa para ser protagonizada por aqueles que ele busca observar.
No controle da situação, os cerca de vinte presos selecionados para o documentário abrem as
portas de seus mundos (de forma até excessiva: alguns detentos explicam a
destilação da cachaça e o tráfico de drogas dentro da cadeia) e forma-se um
mosaico de personagens (os trabalhadores, os que conseguem o direito de sair em
datas festivas, os códigos de honra e de defesa), personalidades, opções
sexuais e religiosas, e com isso pinta as escandalosas e sub-humanas condições
do judiciário brasileiro, que ao invés de corrigir seus condenados, apenas os
deixa ainda mais raivosos.
Dessa
maneira, O Prisioneiro da Grade de Ferro
atinge algo raro, até mesmo para os documentários: consegue soar político ao ser
intimista. Eu não sei se o documentarista tem completa noção de onde seu
trabalho vai chegar quando começa a filmar, mas ao montar suas imagens (de
forma extremamente fluida, saltando de cela em cela com maestria), Paulo
Sacramento mostra que não precisa de megalomania ou de discursos explosivos
para escancarar um país. Sua câmera já carrega em suas lentes a voz de que necessita.
O Prisioneiro da Grade
de Ferro, Paulo Sacramento, 2004 

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