Wednesday, June 04, 2014

Malévola

A Bela Adormecida é, entre os clássicos, um dos maiores responsáveis pela imagem das animações da Disney, e por consequência, pela consolidação das Princesas enquanto commodity. Tudo isso devido, claro, às suas inegáveis qualidades, mas também a um motivo ainda mais determinante: o filme de 1959 é o conto de fadas mais genuíno. Nele, a princesa tem o nome dos primeiros raios de sol da manhã, seus pais são justos e bondosos, e a bruxa má, sem que se explique o porquê, é bastante má, até no nome.

Não se pode pensar que Malévola, reimaginação do conto (escrito pelos irmãos Grimm, revisitado por Charles Perrault, transformado em balé por Tchaikovsky e do balé para a animação) vá pelo mesmo caminho, por pelo menos duas razões: primeiro, o papel central da vilã como fio condutor, explicitado pelo título da produção e pelo rosto de Angelina Jolie (que claramente se diverte bastante no papel) estampando todos os cartazes, protagonismo esse que praticamente implora por um desenvolvimento maior de suas motivações. E também porque o longa-metragem faz parte da malfadada tradição recente de reinvenções das histórias infantis em live action, que geralmente mostram que as coisas não são bem como víamos quando crianças.

A trama, escrita por Linda Woolverton, é de uma audácia que surpreende, passando do protocolo a uma virada inesperada para quem estava acostumado com os preguiçosos textos de A Garota da Capa Vermelha e Branca de Neve e o Caçador, mesmo quando caminha no terreno perigoso da revisão. Em alguns momentos, Malévola é um longa que se debruça (talvez até por tempo demais) nos porquês dos acontecimentos que sucedem o nascimento de Aurora. Um prólogo de criatividade questionável quase faz com que o longa se perca com suas opções (visual e narrativa) que o aproximam do fiasco Oz: Mágico e Poderoso.

Em pouco tempo, porém, a história parece entrar nos eixos com um equilíbrio delicado entre momentos idênticos aos que encantaram as crianças em 1959 (a festa de batismo de Aurora, com o presente das fadas e a maldição que Malévola lança sobre o bebê) e outros que mostram que Woolverton é uma roteirista de personalidade (a ideia de que as fadas não tinham a menor ideia de como criar Aurora, e a atuação de vilã nas sombras da infância da menina que, mais velha, acredita que a outrora bruxa é a sua fada madrinha, o que não deixa de ser uma meia-verdade, considerando o início da projeção).

A direção de Robert Stromberg atua preenchendo lacunas aonde o texto (de longe o grande destaque da produção) não consegue ir. O cineasta, que faz a sua estreia (antes designer de produção, elaborou a concepção do universo de seu debute se inspirando nos visuais de alguns de seus trabalhos anteriores, como Avatar, Alice no País das Maravilhas além do já falado Oz), é hábil ao elaborar planos que se assemelham visualmente à animação clássica, e ao conceber solenidade ao momento do “ato de amor verdadeiro”, única forma de acordar a bela adormecida (vivida por Elle Fanning com a graciosidade que sempre marcou sua carreira) de seu sono profundo e que (assim como em Frozen) mostra às novas gerações que outras formas de amor podem ser muito mais bonitas do que os lábios de um príncipe encantado.

E que o amor sempre será o verdadeiro responsável pelo final feliz, com ou sem beijo na boca.

Maleficent, Robert Stromberg, 2014 

3 comments:

juliana said...

Belo texto para um belo filme...

joaolcm said...

disparada a melhor reimaginação dos clássicos. a cena do principe não querendo beija-la é de uma ousadia hilária. aliás o roteiro do filme é surpreendentemente bom.

Raquel Raposo said...

Lindo, lindo e lindo!!
Sou muito fã da animação de 59, e amei o filme.
Embora tenha chorado horrores no momento do true love kiss, a melhor cena do longa, disparada, é
o momento que ela chega no batizado e a sombra vai subindo, exatamente da mesma forma que acontece na animação. Parece que eles recortaram da animação e colaram no filme.
Lindo demais! :')