É
difícil medir a importância que o sucesso, ao menos enquanto narrativa, de Guardiões da Galáxia tinha para o
futuro do universo que a Marvel vem transpondo para as telas. Ao mesmo tempo em que apresenta a galeria de tramas espaciais da Casa de Ideias pela
primeira vez em live action, o faz através de um
filme que destoa completamente de seus irmãos terrenos mais velhos. Na tarefa
de levar para a película as aventuras do obscuro supergrupo do terceiro escalão
da editora, decidiu-se também por uma mudança de tom aliada à mudança de ares,
uma injeção de humor que se encaixa perfeitamente no perfil de seus
protagonistas.
Essa
guinada só é possível devido à pouca – pouquíssima, quase nenhuma – fama dos
Guardiões, trupe que deu as caras nas HQs pela primeira vez em 1969 mas que,
sem muito destaque, passou por diversas mudanças em sua formação e por diversas
tentativas de emplacar nas bancas. Por isso, poucos xiitas irão reclamar do
line-up formado por Senhor das Estrelas, Gamora, Groot, Rocket Racoon e Drax,
personagens que eram antigos coadjuvantes da Marvel (Groot, por exemplo, foi
criado por Stan Lee, Jack Kirby e Dick Ayers antes até do que o Quarteto
Fantástico), mas que debutaram como equipe nos gibis apenas em 2008.
O
diretor James Gunn, autor do roteiro ao lado de Nicole Perlman, utiliza essa pouca familiaridade do público com os personagens a seu favor: cria em Guardiões da Galáxia um mundo ultra colorido
(com auxílio da ótima direção de arte, brega na medida certa) para alocar a
origem do time formado por anti-heróis que se conhecem por motivos escusos, mas
que acabam se envolvendo em uma batalha em defesa do universo. Um leque tão
excêntrico de protagonistas que dificilmente funcionaria sem uma ambientação
condizente com a esquisitice.
Tudo
isso dá ao longa um charme inegável, uma cara de aventura espacial adolescente,
com ecos de Star Wars, mas completamente nova. Gunn não está interessado em
analisar o heroísmo, ou mergulhar o filme em sombras. Entende que tanto a
ficção científica quanto os filmes de heróis precisam de menos sisudez e consegue,
balançando entre gags e pancadaria, o equilíbrio perfeito. Não que tudo seja
comédia em Guardiões da Galáxia.
Pelo contrário: o longa carrega na tensão ao representar a ameaça do vilão
Ronan, servo de Thanos, em busca de uma das Joias do Infinito, que dá ao seu
possuidor poder para destruir o universo. Os perigos vividos pelos heróis são
reais, e tratados com seriedade. O humor surge da interação entre os personagens,
e nunca resulta na diminuição da crença, da parte do espectador, na realidade dos riscos.
A
suspensão da descrença acontece também porque o elenco parece acreditar
piamente (apesar de se divertir pra valer, como as pontas de Glenn Close e John C. Reilly deixam claro) nos personagens que vivem. Chris
Pratt e Zoe Saldana encarnam com vontade Peter Quill, o autodenominado Senhor
das Estrelas, único terráqueo e centro da narrativa e Gamora, filha adotiva de
Thanos, e cuja mudança repentina de lados precisava de um tratamento melhor do
texto. O lutador Dave Bautista surge como a grande surpresa do projeto ao dar
vida a Drax, em uma cruzada por vingança contra Ronan, com um timing cômico
surpreendente (no que Gunn merece muitos créditos). Mas o grande destaque fica
mesmo por conta de Rocket e Groot, personagens em CGI dublados magistralmente por
Bradley Cooper e Vin Diesel, em uma relação que pode ser vista como uma
atualização da dinâmica entre Han Solo e Chewbacca: enquanto Cooper vive o
animal mais desbocado do cinema recente, Diesel agarra com todas as forças o
melhor papel de sua carreira como, pasmem, uma árvore que consegue expressar
emoções palpáveis através de apenas uma frase.
Um
longa carregado de influências no visual que vão do passado (as muitas cores,
que lembram a ficção científica B dos anos 70 e o cinema de Roger Corman) ao
presente (Xandar se assemelha à terra firme da reinvenção de Star Trek pelas
mãos de J.J. Abrams) e com uma leveza rara nas adaptações recentes de
quadrinhos. São tantas piadas e explosões que quase não existe espaço para a
emoção. Entra em cena então a música, através de um objeto carregado pra cima e
pra baixo e que conecta o filme de James Gunn com nossas memórias mais doces. Guardiões da Galáxia representa
exatamente isso nesse ano de 2014. Apaixonado por ontem, mas olhando sempre para
o amanhã.
Guardians of the Galaxy, James Gunn, 2014
2 comments:
ainda não em empolguei, mas são tantos elogios que não to descartando tambem
Adorei o filme! Muito bom mesmo!
Mas ainda não sei se é o melhor filme da Marvel... Para mim, o melhor era Homem de Ferro 2.
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