Wednesday, August 27, 2014

Toque de Mestre

 Alfred Hitchcock ficaria orgulhoso do compositor Eugenio Mira em seu terceiro filme. Pois Toque de Mestre, além de ser a maior surpresa do ano, um suspense de classe inegável (e que vinha fazendo falta desde que Brian De Palma resolveu diminuir o ritmo e os filmes de Dario Argento passaram a receber ainda menos atenção por aqui), é também uma obra que evoca o mestre do suspense no enredo e em praticamente todos os seus quadros, calculados desde a abertura, quando a câmera do espanhol passeia pelo piano que é elemento central da narrativa.

A trama, escrita por Damien Chazelle (de O Último Exorcismo – Parte II) é simples. Na noite em que retorna aos palcos para um concerto após cinco anos de ostracismo, o pianista Tom Selznick (Elijah Wood), considerado o maior de sua geração, sofre com as ameaças de um atirador escondido na plateia. Selznick precisará tocar “La Cinquette” sem errar uma nota. A peça, famosa como a “impossível de ser tocada” foi motivo da falha ao vivo que resultou na pausa da carreira do músico. Dessa vez, toca sob o aviso do atirador: se errar uma nota, ele morre. Se pedir socorro, morre sua esposa, Emma (Kerry Bishé), sentada em um dos camarotes do teatro.

Se o texto não prioriza as camadas, preferindo uma linha rápida que propicie a tensão, sua materialização é primorosa. Já no roteiro percebem-se as influências, de Argento e De Palma sim, mas, acima de tudo, de Hitchcock. O diretor de Um Corpo que Cai se defendia contra as acusações da pouca verossimilhança de seus filmes, e Toque de Mestre é um trabalho que passeia justamente pelo terreno do inverossímil. Selznick ter de acertar todas as notas, após cinco anos sem se apresentar, e sob a mira de um rifle, é algo tão incrível quanto pássaros atacando cidadãos sem motivo, mas Chazelle, e principalmente Mira, não estão nem um pouco preocupados com aqueles que preferem a verdade do mundo à verdade da tela.

E Mira, ciente do produto que quer gerar, cria para a narrativa uma execução que vai da elegância extrema (a mise-en-scène das cenas no camarim, tanto a conversa de Tom com o maestro e amigo Reisinger quanto a que o protagonista tem com Emma, sob a supervisão de um segurança) à quase canastrice dos momentos em que o diretor filma a violência (e um desses momentos, em uma mudança de foco que sai de um pescoço para um violoncelo, se colocou entre as melhores cenas do ano): a singeleza, portanto, não é o objetivo do cineasta, que abraça o vermelho como símbolo do medo e do pesadelo vivido pelo protagonista, e dirige seus atores um tom acima.

Não que isso fosse tarefa complicada. Pelo contrário, sem uma mão firme, Elijah Wood e John Cusack, os nomes mais conhecidos do elenco, tendem naturalmente ao overacting. Para os propósitos do cineasta, escolhas acertadas. Escolhas que quando juntas em cena revelam, em um combate sem-jeito e mambembe, que Toque de Mestre possui ainda mais beleza do que aparenta, deixando o mistério do Grand Piano, seu MacGuffin, para ser resolvido na chuva, com o barulho das gotas soando como aplausos.

Ali, o cinema hitchcockiano sai do campo da influência e passa a ser o objeto de um genuíno filme-tributo.

Grand Piano, Eugenio Mira, 2014 

1 comment:

joao said...

fiquei a fim de ver

pensei que era truque de mestre