A
cada novo filme de Christopher Nolan, o mundo é inundado por comentários que
louvam o diretor de 44 anos como “O” diretor que consegue unir um cinema
popular com uma dose de inteligência que falta aos arrasa-quarteirões atuais.
Apesar de a afirmação não ser exatamente verdade, também não de todo irreal: de
fato, Nolan merece aplausos por adicionar uma visão autoral em uma época em que
os estúdios procuram diretores sem assinatura, mas que sejam facilmente
controláveis. São filmes de talento, de realização empolgante, graças à sua
megalomania habitual, apesar da incompetência quando é necessário estabelecer a ação
dentro daquele universo, às vezes em mais de um ambiente, com a montagem muitas vezes problemática funcionando como elo.
Suas
tramas, no entanto, mais querem ser difíceis do que realmente o são. Nolan é um
artista que a cada obra consegue algo que é altamente paradoxal: uma
complexidade didática. Ao mesmo tempo em que acredita em um cinema que propõe
ideias, um cinema de conceitos, o cineasta parece não acreditar na inteligência
do espectador para compreender suas intenções, e por isso sente a necessidade
de explicar tudo o que acontece. E em excesso, o que prejudica o resultado de
seus longas, pois ao mesmo tempo em que dificulta o envolvimento de quem
assiste (tudo que é mastigado demais cansa), por vezes gera obras que esbarram
na falta de paixão, mesmo que a intenção seja o oposto.
Em
todas as suas qualidades e problemas, Interestelar
é um próximo passo natural do diretor, mas dá a impressão de sofrer mais do que
o resto de sua filmografia devido às suas ambições, claramente maiores. Escrita
pelo diretor em parceria com seu irmão Jonathan, a trama se dá em um futuro de
data incerta, no qual o planeta sofre com a fome, após um evento trágico que
destruiu grande parte das plantações da Terra. O fim da humanidade parece
inevitável. Nesse universo, o espectador acompanha Cooper (Matthew
McConaughey), engenheiro que vive em uma fazenda com os filhos e o sogro.
Piloto talentoso, ele acaba descobrindo que a NASA enviou astronautas ao espaço
à procura de planetas que possam abrigar a humanidade, e se envolvendo em uma
missão que visa encontrar esses astronautas, e o resultado da exploração.
O
início funciona bastante bem, com o texto apresentando os personagens, suas
relações e o que leva Cooper a querer ir ao espaço de forma equilibrada,
sentimental sem ser piegas. A caça ao drone e a reunião de pais são sequências
que, além de estabelecerem bem os laços que unem o protagonista aos filhos (com
belas atuações de McConaughey, John Lithgow e da pequena Mackenzie Foy), dão
espaço para o contexto começar a se revelar para o espectador. Um início que
lembra bastante Steven Spielberg, e saber que Jonathan Nolan inicialmente escreveu
a trama para o diretor de Contatos
Imediatos de Terceiro Grau (com o qual a obra guarda semelhanças no modo
como desenha Cooper) apenas deixa essa impressão mais latente.
Christopher
Nolan disse algumas vezes que se inspirou em 2001: Uma Odisseia no Espaço e em Solaris para a elaboração de Interestelar,
mas o primeiro filme que vem à cabeça durante o primeiro ato é Campo dos Sonhos. O cineasta possui um
estilo fordiano claro no modo de
filmar, e em mais um filme de personagens marcados pela culpa (lidar com os
resultados dos nossos atos é tema recorrente em seus trabalhos), a melancolia
se instala em cena de maneira orgânica, em momentos como a partida de Cooper
(esse traço voltaria a aparecer de modo mais tímido no desenrolar da sequência
da fuga do planeta de água). Quando os personagens iniciam a missão (com a
adição dos cientistas vividos Jessica Chastain e por Michael Caine e Anne
Hathaway, pai e filha, e dois dos principais líderes da expedição: ela a bordo,
ele na Terra), as influências de Kubrick e Tarkovski aparecem, no modo como o
diretor explora de maneira eficiente o silêncio na imensidão do universo.
Infelizmente,
as referências aos maiores clássicos da ficção científica perdem bastante da
eficácia quando o roteiro começa a apresentar os mesmos problemas recorrentes
na filmografia de Nolan. O excesso de explicações, que tinha sido o único
propósito da personagem de Ellen Page em A
Origem (ela era novata no grupo de ladrões, e por isso o bando tinha que
explicar tudo para ela o tempo todo), acaba revestindo Interestelar de um didatismo que incomoda: os cientistas explicam
ideias e reveem o plano constantemente, como se para que o espectador não se
esqueça do propósito da missão, nem se confunda com os conceitos expostos ali:
em um momento, um personagem utiliza lápis e papel para explicar para outro o
buraco de minhoca, o que é estranho, pois é difícil acreditar que a NASA
enviaria a bordo de uma de suas naves alguém que não tivesse conhecimento do
assunto.
O
público acaba saindo da sessão entendido da teoria da relatividade e
compreendendo os desdobramentos do espaço-tempo, mas sem ter tido a experiência
sensorial prometida.
O
afã de explicar demais acaba mergulhando o longa na irregularidade também em
sua reta final, que guarda semelhanças inegáveis com 2001, mas que, ao tentar fazer com que o visual maravilhoso tenha
apenas um sentido, acaba por retirar dele a poesia. É incrível que após tudo
exibido, exista ainda tempo e coragem para explanações do que está escancarado
pelas imagens. Meia hora e muita falação a menos poderiam ter feito de Nolan o
diretor responsável pelo maior espetáculo poético do cinemão recente, mesmo com
os percalços. Do jeito que ficou, com a barriga final, acaba sendo um longa
visualmente incrível, mas com apenas um modo de entendê-lo, o que transforma Interestelar em um filme bastante
bonito, mas acomodado. E não tem adjetivo mais frustrante para uma ficção
científica.
Interstellar,
Christopher Nolan, 2014 ou
2 comments:
Eu realmente não acho que Nolan explique demais em seus filmes. e contiuo achando que a origem é um filme complexo e a personagem de ele page é necessária
Poderiam fazer uma versão sem ela e ver como ficaria. hahaha
quanto a esse filme. apenas mediano
e sou muito fã do diretor. esse é seu pior filme pra mim.
Eu discordo do João quanto às explicações no filme, mas concordo plenamente quanto ao filme ser mediano. Algumas cenas me animaram bastante e eu não via a hora de outras acabarem. Eu gosto muito de A Origem, então, esse filme pra mim ficou muito aquém do que eu esperava.
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