Tuesday, November 11, 2014

Interestelar

A cada novo filme de Christopher Nolan, o mundo é inundado por comentários que louvam o diretor de 44 anos como “O” diretor que consegue unir um cinema popular com uma dose de inteligência que falta aos arrasa-quarteirões atuais. Apesar de a afirmação não ser exatamente verdade, também não de todo irreal: de fato, Nolan merece aplausos por adicionar uma visão autoral em uma época em que os estúdios procuram diretores sem assinatura, mas que sejam facilmente controláveis. São filmes de talento, de realização empolgante, graças à sua megalomania habitual, apesar da  incompetência quando é necessário estabelecer a ação dentro daquele universo, às vezes em mais de um ambiente, com a montagem muitas vezes problemática funcionando como elo.

Suas tramas, no entanto, mais querem ser difíceis do que realmente o são. Nolan é um artista que a cada obra consegue algo que é altamente paradoxal: uma complexidade didática. Ao mesmo tempo em que acredita em um cinema que propõe ideias, um cinema de conceitos, o cineasta parece não acreditar na inteligência do espectador para compreender suas intenções, e por isso sente a necessidade de explicar tudo o que acontece. E em excesso, o que prejudica o resultado de seus longas, pois ao mesmo tempo em que dificulta o envolvimento de quem assiste (tudo que é mastigado demais cansa), por vezes gera obras que esbarram na falta de paixão, mesmo que a intenção seja o oposto.

Em todas as suas qualidades e problemas, Interestelar é um próximo passo natural do diretor, mas dá a impressão de sofrer mais do que o resto de sua filmografia devido às suas ambições, claramente maiores. Escrita pelo diretor em parceria com seu irmão Jonathan, a trama se dá em um futuro de data incerta, no qual o planeta sofre com a fome, após um evento trágico que destruiu grande parte das plantações da Terra. O fim da humanidade parece inevitável. Nesse universo, o espectador acompanha Cooper (Matthew McConaughey), engenheiro que vive em uma fazenda com os filhos e o sogro. Piloto talentoso, ele acaba descobrindo que a NASA enviou astronautas ao espaço à procura de planetas que possam abrigar a humanidade, e se envolvendo em uma missão que visa encontrar esses astronautas, e o resultado da exploração.

O início funciona bastante bem, com o texto apresentando os personagens, suas relações e o que leva Cooper a querer ir ao espaço de forma equilibrada, sentimental sem ser piegas. A caça ao drone e a reunião de pais são sequências que, além de estabelecerem bem os laços que unem o protagonista aos filhos (com belas atuações de McConaughey, John Lithgow e da pequena Mackenzie Foy), dão espaço para o contexto começar a se revelar para o espectador. Um início que lembra bastante Steven Spielberg, e saber que Jonathan Nolan inicialmente escreveu a trama para o diretor de Contatos Imediatos de Terceiro Grau (com o qual a obra guarda semelhanças no modo como desenha Cooper) apenas deixa essa impressão mais latente.

Christopher Nolan disse algumas vezes que se inspirou em 2001: Uma Odisseia no Espaço e em Solaris para a elaboração de Interestelar, mas o primeiro filme que vem à cabeça durante o primeiro ato é Campo dos Sonhos. O cineasta possui um estilo fordiano claro no modo de filmar, e em mais um filme de personagens marcados pela culpa (lidar com os resultados dos nossos atos é tema recorrente em seus trabalhos), a melancolia se instala em cena de maneira orgânica, em momentos como a partida de Cooper (esse traço voltaria a aparecer de modo mais tímido no desenrolar da sequência da fuga do planeta de água). Quando os personagens iniciam a missão (com a adição dos cientistas vividos Jessica Chastain e por Michael Caine e Anne Hathaway, pai e filha, e dois dos principais líderes da expedição: ela a bordo, ele na Terra), as influências de Kubrick e Tarkovski aparecem, no modo como o diretor explora de maneira eficiente o silêncio na imensidão do universo.

Infelizmente, as referências aos maiores clássicos da ficção científica perdem bastante da eficácia quando o roteiro começa a apresentar os mesmos problemas recorrentes na filmografia de Nolan. O excesso de explicações, que tinha sido o único propósito da personagem de Ellen Page em A Origem (ela era novata no grupo de ladrões, e por isso o bando tinha que explicar tudo para ela o tempo todo), acaba revestindo Interestelar de um didatismo que incomoda: os cientistas explicam ideias e reveem o plano constantemente, como se para que o espectador não se esqueça do propósito da missão, nem se confunda com os conceitos expostos ali: em um momento, um personagem utiliza lápis e papel para explicar para outro o buraco de minhoca, o que é estranho, pois é difícil acreditar que a NASA enviaria a bordo de uma de suas naves alguém que não tivesse conhecimento do assunto.

O público acaba saindo da sessão entendido da teoria da relatividade e compreendendo os desdobramentos do espaço-tempo, mas sem ter tido a experiência sensorial prometida.

O afã de explicar demais acaba mergulhando o longa na irregularidade também em sua reta final, que guarda semelhanças inegáveis com 2001, mas que, ao tentar fazer com que o visual maravilhoso tenha apenas um sentido, acaba por retirar dele a poesia. É incrível que após tudo exibido, exista ainda tempo e coragem para explanações do que está escancarado pelas imagens. Meia hora e muita falação a menos poderiam ter feito de Nolan o diretor responsável pelo maior espetáculo poético do cinemão recente, mesmo com os percalços. Do jeito que ficou, com a barriga final, acaba sendo um longa visualmente incrível, mas com apenas um modo de entendê-lo, o que transforma Interestelar em um filme bastante bonito, mas acomodado. E não tem adjetivo mais frustrante para uma ficção científica.

Interstellar, Christopher Nolan, 2014  ou 

2 comments:

joão said...

Eu realmente não acho que Nolan explique demais em seus filmes. e contiuo achando que a origem é um filme complexo e a personagem de ele page é necessária


Poderiam fazer uma versão sem ela e ver como ficaria. hahaha

quanto a esse filme. apenas mediano

e sou muito fã do diretor. esse é seu pior filme pra mim.

Piculo said...

Eu discordo do João quanto às explicações no filme, mas concordo plenamente quanto ao filme ser mediano. Algumas cenas me animaram bastante e eu não via a hora de outras acabarem. Eu gosto muito de A Origem, então, esse filme pra mim ficou muito aquém do que eu esperava.