Por
mais estranho que possa parecer, dizer que Sob
a Pele é a melhor ficção científica de 2014 não consegue fazer jus aos
esforços de Jonathan Glazer. Explico: apesar de um grande elogio, ao lançar tal
afirmativa, corre-se o risco de diminuírem-se os méritos da obra, dada a baixa
qualidade do gênero na temporada, perdido entre a galhofa (Lucy, de Luc Besson) e o engodo (Interestelar, de Christopher Nolan). Indo em direção diferente das
tomadas por Besson e Nolan, Glazer construiu um sci-fi que é lotado de
referências, mas sem a histeria que geralmente as cerca, se desenrolando com
uma frieza que casa de maneira sublime com as descobertas da protagonista
acerca de si própria.
O
primeiro detalhe que chama a atenção em Sob
a Pele é estético. O início que mostra a aparente chegada à Terra da
personagem central da narrativa, que o texto nunca diz ao certo se tratar de um
alienígena (mas que as imagens na abertura, que lembram 2001, deixam claro), não tem pressa em revelar suas intenções. Uma
pequena luz azul surge no centro da tela. Em uma elipse que faria Stanley
Kubrick sorrir de satisfação, a luz toma a tela, enquanto o espectador
presencia a aquisição da fala da criatura, que aos poucos tenta dominar a
linguagem terráquea.
Nada
mais nos é revelado sobre a protagonista, até que descobrimos suas reais
intenções. Com as feições de uma bela mulher (vivida por Scarlett Johansson), o
súcubo passeia pela Escócia à procura de homens solitários (que são
aprisionados e cujo fim que levam é assustadoramente retratado em uma cena que
flerta com o horror). O longa investe em uma aura de suspense ao seguir a
“moça” em sua atividade predatória e, salvo a abertura kubrickiana, desenvolve
sua trama em uma ambientação bucólica de uma Escócia gelada que parece saída de
um filme de Nicolas Roeg.
E
a eficiente direção de arte, a cargo de Emer O’Sullivan, possui papel
fundamental em estabelecer não só a ambientação, como em ajudar a desenhar as
intenções de Sob a Pele no momento em
que Glazer filma os encontros/capturas dos homens pela alienígena: as vítimas
seguem a personagem de Johansson (extremamente desprendida em relação à sua
nudez, que desempenha função importante na narrativa), enquanto lentamente
afundam na água negra sem perceberem.
Sim,
pois é fundamental notar que os rapazes jamais se desesperam ao imergirem. A
narrativa se utiliza destes momentos para tratar do modo como os homens (os
seres humanos em geral) parecem cegos para o que os cerca quando hipnotizados
por algo ou alguém que se enquadre no padrão de beleza estabelecidos por eles
ou pela sociedade. Glazer dirigiu uma crônica, uma crítica ao poder das
aparências, travestida de ficção científica, e a escalação de Scarlett (e
detalhes, como as suas roupas, ou os planos fechados em sua boca) atua em
função deste ponto de vista.
Entretanto,
em certo momento, a criatura parece adquirir uma consciência acerca da beleza,
e suas intenções iniciais saem de foco, a partir do ponto em que tem um
encontro revelador com alguém que justamente não se enquadra no que tipicamente
chamamos de belo. Talvez pelo modo como foi tratada, talvez pela constatação de
existe mais do que a casca que nos envolve (o que justificaria o belo título da
produção), a personagem de Johansson passa a enxergar o mundo de outra forma
(os close-up no olhar da atriz são os grandes momentos do terceiro ato), mas o
despertar da humanidade tem um preço: de devoradora de homens, passa a presa
fácil em um mundo dominado por eles.
E
entender o ser humano faz com que ela veja o quanto podemos ser bonitos por
dentro - e o quanto somos constantemente horrorosos. Nada de novo para nós.
Sabemos como podemos amar incondicionalmente ao mesmo tempo em que reconhecemos
nossa capacidade de nos destruirmos. O modo como Glazer escancara esse fato na
tela, e que faz com que tenhamos vontade de nos despirmos de nossa pele para
tentarmos ser algo melhor, no entanto, é o que faz com que Sob a Pele seja tristemente maravilhoso.
Under the Skin, Jonathan Glazer, 2014
1 comment:
parei de ler no "de uma bela mulher"
hahahah. to brincando. otimo texto. mas acho esse filme ruim pra caramba, e entediante a ponto de todas essas "sutilezas" me passarem despercebidas
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