Monday, February 02, 2015

A Teoria de Tudo

O sucesso de uma cinebiografia depende intimamente da identificação do espectador com o retratado. Muitas vezes, perdoa-se qualquer deslize estético ou falta de coragem do texto em prol de como o protagonista é abordado. Se o biografado enche a tela com sua presença, se ao fim da projeção, o espectador sente que foi importante conhecer aquela figura mais a fundo, essa é uma obra relevante, mesmo que aqui e ali a narrativa deixe a desejar.

E A Teoria de Tudo, filme de James Marsh, é um dos mais recentes exemplos de uma biografia cheia de problemas, mas que consegue segurar o interesse do espectador graças ao carisma do protagonista, no caso o físico Stephen Hawking (Eddie Redmayne), um dos maiores gênios de seu tempo, diagnosticado com esclerose múltipla quando ainda cursava o doutorado. Os médicos deram a ele uma expectativa de vida de dois anos, mas ele seguiu seu caminho e, cinco décadas depois, é pai de três filhos al lado de Jane Hawking (Felicity Jones) e dono de uma das mais brilhantes obras da física teórica.

Ao abrir a narrativa com uma sequência na qual o jovem Stephen aposta corrida de bicicleta em uma manhã ensolarada (deixando claro como a vida do rapaz era feliz, o que contrasta com o fato de o espectador saber o que o acometerá em um futuro próximo), o longa já demonstra o que virá a ser um de seus problemas mais graves: a falta de sutileza. Tudo em A Teoria de Tudo parece gritar: da fotografia de Benoît Delhomme, que investe em uma paleta fria na maior parte da projeção, mas traz um granulado em cores quentes em imagens de arquivo, passando pela bela, mas intrusiva trilha sonora de Johann Johansson, tudo contribui para escancarar o melodrama que o roteiro de Anthony McCarten (baseado no livro “Travelling to infinity: my life with Stephen”, de Jane, ex-esposa do cientista) em momento algum consegue ser bem-sucedido em abraçar.

O insucesso de McCarten se dá, principalmente, porque A Teoria de Tudo jamais se arrisca. Não se vê, em suas duas horas de projeção, um conflito, uma subtrama que vá além da superfície. O momento em que Hawking se descobre doente, por exemplo, é emocionalmente pobre, pois a dificuldade do protagonista em aceitar sua nova condição se resume em rechaçar a namorada e os amigos durante algumas horas apenas para voltar a sorrir logo depois. Falta coragem também de McCarten e Marsh para aprofundarem a visão sobre o casamento entre Stephen e Jane após a introdução de um novo personagem, o professor de música Jonathan (Charlie Cox) que, em vez de ser tratado como uma espécie de antagonista é surpreendentemente humanizado, transformado em um homem doce e que possui sentimentos conflitantes de amor por Jane e profundo respeito por Stephen. Infelizmente, o potencial triângulo amoroso é apenas insinuado, e pouco se observa da situação.

Um tropeço pequeno se comparado com o fato de o longa dar pouca atenção ao mais importante traço da vida de Hawking, sua obra enquanto teórico, seus livros e seus estudos sobre o tempo e a origem do universo, para se debruçar sobre seu casamento. Sim, é claro que é sempre interessante acompanhar a dinâmica entre o casal, beneficiada pelos belos coadjuvantes (com destaque para a Cox e David Thewlis) e pela bela performance de Felicity Jones e a atuação monstruosa de Eddie Redmayne, que, naturalmente parecido com Hawking, se dedica cegamente à composição do físico nas telas, exibindo gradativamente os sinais da esclerose, até parecer tristemente convincente ao dizer para a esposa “isso é temporário”, ao sentar na cadeira de rodas pela primeira vez. Entretanto, ao relegar as conquistas de Hawking para a Física ao plano secundário, A Teoria de Tudo torna-se um filme sobre o casamento, o que diminui a importância do protagonista.

E Marsh, diretor do excelente documentário O Equilibrista, não consegue se desvencilhar da armadilha, parecendo incapaz de enriquecer a experiência ao enfocar com mais dedicação a obra de seu biografado. O cineasta se derrete ao revelar os sinais de deterioração física do teórico e a dinâmica doméstica de seu casamento, apesar de apostar na pieguice de uma fotografia que tem a coragem de incluir um plano no qual uma igreja escura é iluminada pelo sol quando dois personagens se beijam. Ao observar os estudos do cosmólogo e a criação de sua obra-prima, o livro “Uma breve história do Tempo”, porém, o diretor parece intimidado pela grandiosidade do cientista. Os voos a que A Teoria de Tudo se permite são muito mais baixos do que os do homem que motivou esse retrato.

The Theory of Everything, James Marsh, 2014 ½

1 comment:

João Luiz said...

achei que o filme consegue escapar do melodrama barato

é verdade que a parte mais fisica do filme, não é tao explorada, mas ainda assim, achei um belo filme