O
sucesso de uma cinebiografia depende intimamente da identificação do espectador
com o retratado. Muitas vezes, perdoa-se qualquer deslize estético ou falta de
coragem do texto em prol de como o protagonista é abordado. Se o biografado
enche a tela com sua presença, se ao fim da projeção, o espectador sente que
foi importante conhecer aquela figura mais a fundo, essa é uma obra relevante,
mesmo que aqui e ali a narrativa deixe a desejar.
E
A Teoria de Tudo, filme de James
Marsh, é um dos mais recentes exemplos de uma biografia cheia de problemas, mas
que consegue segurar o interesse do espectador graças ao carisma do
protagonista, no caso o físico Stephen Hawking (Eddie Redmayne), um dos maiores
gênios de seu tempo, diagnosticado com esclerose múltipla quando ainda cursava
o doutorado. Os médicos deram a ele uma expectativa de vida de dois anos, mas
ele seguiu seu caminho e, cinco décadas depois, é pai de três filhos al lado de
Jane Hawking (Felicity Jones) e dono de uma das mais brilhantes obras da física
teórica.
Ao
abrir a narrativa com uma sequência na qual o jovem Stephen aposta corrida de
bicicleta em uma manhã ensolarada (deixando claro como a vida do rapaz era
feliz, o que contrasta com o fato de o espectador saber o que o acometerá em um
futuro próximo), o longa já demonstra o que virá a ser um de seus problemas
mais graves: a falta de sutileza. Tudo em A
Teoria de Tudo parece gritar: da fotografia de Benoît Delhomme, que investe
em uma paleta fria na maior parte da projeção, mas traz um granulado em cores
quentes em imagens de arquivo, passando pela bela, mas intrusiva trilha sonora
de Johann Johansson, tudo contribui para escancarar o melodrama que o roteiro
de Anthony McCarten (baseado no livro “Travelling to infinity: my life with
Stephen”, de Jane, ex-esposa do cientista) em momento algum consegue ser
bem-sucedido em abraçar.
O
insucesso de McCarten se dá, principalmente, porque A Teoria de Tudo jamais se arrisca. Não se vê, em suas duas horas
de projeção, um conflito, uma subtrama que vá além da superfície. O momento em
que Hawking se descobre doente, por exemplo, é emocionalmente pobre, pois a
dificuldade do protagonista em aceitar sua nova condição se resume em rechaçar
a namorada e os amigos durante algumas horas apenas para voltar a sorrir logo
depois. Falta coragem também de McCarten e Marsh para aprofundarem a visão
sobre o casamento entre Stephen e Jane após a introdução de um novo personagem,
o professor de música Jonathan (Charlie Cox) que, em vez de ser tratado como
uma espécie de antagonista é surpreendentemente humanizado, transformado em um
homem doce e que possui sentimentos conflitantes de amor por Jane e profundo
respeito por Stephen. Infelizmente, o potencial triângulo amoroso é apenas
insinuado, e pouco se observa da situação.
Um
tropeço pequeno se comparado com o fato de o longa dar pouca atenção ao mais
importante traço da vida de Hawking, sua obra enquanto teórico, seus livros e
seus estudos sobre o tempo e a origem do universo, para se debruçar sobre seu
casamento. Sim, é claro que é sempre interessante acompanhar a dinâmica entre o
casal, beneficiada pelos belos coadjuvantes (com destaque para a Cox e David
Thewlis) e pela bela performance de Felicity Jones e a atuação monstruosa de
Eddie Redmayne, que, naturalmente parecido com Hawking, se dedica cegamente à
composição do físico nas telas, exibindo gradativamente os sinais da esclerose,
até parecer tristemente convincente ao dizer para a esposa “isso é temporário”,
ao sentar na cadeira de rodas pela primeira vez. Entretanto, ao relegar as
conquistas de Hawking para a Física ao plano secundário, A Teoria de Tudo torna-se um filme sobre o casamento, o que diminui
a importância do protagonista.
E
Marsh, diretor do excelente documentário O
Equilibrista, não consegue se desvencilhar da armadilha, parecendo incapaz
de enriquecer a experiência ao enfocar com mais dedicação a obra de seu
biografado. O cineasta se derrete ao revelar os sinais de deterioração física
do teórico e a dinâmica doméstica de seu casamento, apesar de apostar na
pieguice de uma fotografia que tem a coragem de incluir um plano no qual uma
igreja escura é iluminada pelo sol quando dois personagens se beijam. Ao
observar os estudos do cosmólogo e a criação de sua obra-prima, o livro “Uma
breve história do Tempo”, porém, o diretor parece intimidado pela grandiosidade
do cientista. Os voos a que A Teoria de
Tudo se permite são muito mais baixos do que os do homem que motivou esse
retrato.
The Theory of Everything, James Marsh, 2014 ½
1 comment:
achei que o filme consegue escapar do melodrama barato
é verdade que a parte mais fisica do filme, não é tao explorada, mas ainda assim, achei um belo filme
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