Não deixa de ser estranha a maneira como
os filmes da Marvel Studios vêm costurando seus personagens e desenvolvendo as
motivações de seus heróis e vilões. Mesmo sem apostar nos tons sombrios ou
realistas de outras adaptações de quadrinhos recentes (a trilogia O Cavaleiro das Trevas, O Espetacular Homem-Aranha, O Homem de Aço), não são raras as vezes
em que protagonistas e antagonistas são formados/levados à ação por situações
densas em dramaticidade, sejam elas clássicas do sub-gênero, como vingança, ou
ainda mais pungentes, como traumas (Peter Quill em Guardiões da Galáxia), medo de se perder quem se ama (um dos motes
essenciais de Homem de Ferro e suas
sequencias), ou a necessidade de se conviver com a consequência dos próprios
atos (O Incrível Hulk).
Ainda assim, é quase chocante quando
percebemos que a continuação de Vingadores,
de 2012, vai ainda mais longe ao desenhar sua narrativa: além de
todos os dramas citados acima, os mocinhos e bandidos em Era de Ultron são gerados e unidos pelo tormento.
Sim, porque são sentimentos como angústia
e auto-questionamento que ditam os rumos dos acontecimentos desta sequencia
que, mais uma vez escrita e dirigida por Joss Whedon, une os heróis mais
poderosos da Terra. Bruce Banner (Mark Ruffalo) se martiriza pela natureza
destrutiva de Hulk e não consegue sair da inércia quando o assunto é sua
proximidade com Natasha Romanoff, a Viúva Negra (Scarlett Johansson). Tony
Stark (Robert Downey Jr.), menos atordoado pela destruição de Nova York causada
pela invasão dos Chitauris no primeiro longa do supergrupo, agonia que ele
expurgou em Homem de Ferro 3, tenta
buscar a paz mundial através da criação de um mini-exército de robôs
patrulheiros comandados por Jarvis (Paul Bettany). Pensou que talvez assim seu
passado como fabricante de armas pesadas ficasse para trás, mas não contava com
a aparição dos jovens gêmeos Wanda (Elizabeth Olsen) e Pietro Maximoff (Aaron
Taylor-Johnson), os “aprimorados” (antes de serem Feiticeira Escarlate e
Mercúrio), em busca de vingança.
Junto de Banner, Tony amadurece e
desenvolve a ideia de uma inteligência artificial que uniria o raciocínio à robótica
e seria a chave para trazer a paz de vez ao Planeta. Após gerado, no entanto, o
androide Ultron (James Spader, em estado de graça) leva segundos até começar a questionar a própria existência e se rebelar contra seu “pai”. E a dicotomia
Criador/Criatura, aliada à procura de Ultron pelo corpo perfeito, que lhe daria
imponência e poder suficiente para subjugar os Vingadores e instaurar a paz
mundial, sim, mas através da extinção da raça humana, é o ponto alto de Vingadores 2, pois apresenta uma ameaça
mais palpável do que a carnavalizada e divertidíssima batalha da primeira
aventura e move a narrativa em direção à ação.
Pode parecer incrível, mas se existe algo
a se admirar no trabalho de Joss Whedon aqui, nessa aventura gigantesca, que
passa por diversos cantos da Terra e causa destruição sem precedentes, é o
poder de síntese do diretor/roteirista. Além de encenar a pancadaria com competência, o cineasta é habilidoso ao resolver pontos cruciais da
trama, como o despertar de Ultron e a infância dos Gêmeos (que por questões
legais, não é aquela dos sonhos dos fãs dos quadrinhos) em poucos
instantes, deixando espaço e tempo hábil para investir em questões mais importantes,
como estudar o psicológico de seus heróis, desenvolver melhor o Gavião Arqueiro
(Jeremy Renner), e fazer do cetro, antes em poder de Loki, mais do que apenas
um MacGuffin buscado em especial por Thor (Chris Hemsworth).
Whedon parte da primeira cena, na qual o
objeto, capaz de hipnotizar e comandar aqueles em quem toca, é essencial, para
trabalhar a coletividade dos Vingadores, e plantar informações que serão
abordadas futuramente (qualidade ou defeito, é impossível analisar um filme da
Casa das Ideias sem levar em consideração o Universo no qual ele acontece),
como investir em um princípio de discordância entre Steve Rogers (Chris Evans)
e Tony Stark, discordância que levará Capitão América e Homem de Ferro à
condição de rivais em Guerra Civil. Ou
as participações da Máquina de Combate e Falcão. E é econômica a decisão de juntar
o fan service, já clássico nas aventuras Marvel, à decisão de ligar as pontas
com a Fase 3 do estúdio. E mesmo que por isso algumas sequências careçam de um
cuidado melhor (difícil engolir a participação rápida do Barão von Strucker, ou
acreditar na desculpa do texto para levar os heróis ao redor do globo, passando
por Wakanda simplesmente para apresentar Ulisses Claw, futuro Garra Sônica),
nessa economia reside uma das forças do trabalho do diretor, que se preocupa o
tempo todo em não interromper a narrativa para fazer referências.
E o surgimento de Visão (Bettany) surge
justamente do cuidado de nem sempre se curvar ao fã. Ao modificar a origem do
sintetizóide, que não mais é criado por Ultron, mas que se levanta para a
estupefação de Stark, Banner & Cia, o texto adiciona ainda mais camadas à surpreendente
discussão filosófica sobre Criação que perpassa a história, e a cena em que as
criaturas conversam no terceiro ato é estranhamente tocante.
Apesar de tudo, entretanto, Vingadores 2 não é perfeito. E os
deslizes acontecem justamente onde menos se esperava. As cenas de ação, apesar
de boas, trazem pouco da inventividade do longa original que, mais leve,
resolvia tudo (muito bem) no braço. Nessa continuação, as sequências são de um
absurdo divertidíssimo (com destaque para a abertura à la Os Mercenários 2 e o embate entre Hulk e Homem de Ferro), mas
cansam a partir da metade, quando parecem repetitivas e sem o brilho do início.
Um deslize pequeno e que é rapidamente
esquecido quando notamos que os momentos em que os heróis, pouquíssimo “super” em
trajes civis, interagem e conversam entre si, estão entre os mais belos de toda
a projeção. Ali, fica claro que o longa de Joss Whedon tem o que muitos filmes com sequências de ação deslumbrantes
jamais tiveram, e que o deixa ainda mais parecido com as páginas maravilhosas
concebidas por Stan Lee e Jack Kirby em 1963: Vingadores: Era de Ultron possui um coração.
Avengers: Age of Ultron, Joss Whedon, 2015
1 comment:
Owwnn! 4 estrelinhas!! <3
Gostei bastante do filme, e acho equilibrado com o primeiro.
Belo texto!
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