Fica clara, nos filmes de Neill Blomkamp,
a influência que o cinema que misturava ação e ficção científica nos anos 80 (que tinha em Robocop, de Paul Verhoeven, o seu maior representante) tem na obra do sul-africano. Os três filmes
do diretor apostam em uma coerência narrativa (a força do midiatismo, a
problematização da tecnologia) e visual e mergulham de cabeça em um nicho
cinematográfico que há um bom tempo andava fora de moda. O problema que vem
afligido Blomkamp nos filmes seguintes à sua estreia com o marcante Distrito 9, no entanto, se dão além
disso. Com uma semelhança temática em seus filmes (que estão se tornando uma
prisão da qual não consegue sair), o cineasta parece não conseguir se livrar do
discurso panfletário e da sua tendência a interromper a reflexão proposta pelos
roteiros com explosões injustificadas de violência.
Chappie até tenta ser um
ponto fora da curva, ao buscar uma mudança de tom na narrativa (muito mais
leve, por vezes inocente, principalmente se posta ao lado de seu debute e Elysium, o filme anterior do cineasta),
mas ao repetir os mesmos erros e acertos, visuais e de discurso, dos longas
anteriores de Blomkamp, acaba se tornando mais um trabalho decepcionante de uma
carreira que já surge irregular.
A trama, escrita pelo diretor em parceria
com Terri Tatchell, sua esposa, se inicia quase que da mesma forma que Distrito 9 (também escrito pela dupla):
enquanto jornalistas e comentaristas de TV estabelecem de forma resumida a
situação em que Joanesburgo se encontra, o espectador assiste a imagens que
ilustram as palavras dos especialistas: quando a violência na capital
sul-africana se tornou incontrolável, o governo contratou uma empresa para
criar um exército de robôs que substituiriam os humanos na patrulha urbana.
Nesse contexto, somos apresentados a Deon (Dev Patel), engenheiro idealizador
dos robôs policiais, que de dia supervisiona o rendimento dos autômatos nas
ruas e à noite trabalha em casa para a criação de algo revolucionário: um
software que daria aos andróides uma consciência, sentimentos e pensamentos
individuais.
As semelhanças com Robocop são evidentes, principalmente após a aparição de MOOSE,
projeto idealizado por Vincent (tipo durão vivido por Hugh Jackman) de dróide
imenso, capaz de combater desde crimes urbanos até abater aviões, e que é bem
parecido com ED 209, que Murphy encarava em 1987. É decepcionante, no entanto,
que Blomkamp e Tatchell não estejam precoupados em discutir até onde uma
patrulha robótica deixa de ser auxílio policial e se torna paramilitarismo. Chappie parece propôr a discussão em
seus primeiros minutos, mas em pouco tempo a abandona para abraçar um conto que
mistura Um Robô em Curto Circuito, Pinóquio e sangue.
Chappie, primeiro e único robô inteligente
criado por Deon, cai nas mãos do trio de bandidos pés-rapados formados por
Ninja, Yo-landi (os rappers Ninja e Yo-landi, interpretando personagens
batizados com seus nomes) e Amerika (Jose Pablo Cantillo), que pretendem
utilizar o autômato para conseguir realizar um assalto milionário que os
ajudaria a pagar uma dívida com o rei do crime local, conhecido como Hippo
(Brandon Auret). Só tem um problema: Chappie se comporta como uma criança. Essa
é a natureza da invenção de Deon, dar às máquinas a chance de viver.
Demonstrando uma curiosidade absurda para
conhecer de tudo, o “bebê” Chappie aprende de tudo um pouco, passando
rapidamente de palavras básicas (galinha, mamãe) a noções de honra, em uma cena
em que assiste a He-Man (não deixa de ser estranho que a lealdade e honra sejam
passados ao andróide através de Mestres do Universo, uma celebração nada velada
do macho alfa). Nessa fase da vida, as lições que se aprende são extremamente
importantes, e apesar de Deon fazer de tudo para ensinar bons valores ao robô, a
convivência com os assaltantes faz com que Chappie passe a falar e andar de
maneira semelhante a Ninja, que ele chama de “Papai”, e Amerika. E por mais que
Blomkamp tente fazer graça com a imagem do robô ornado com cordões e anéis de
ouro, com um andar gingado e e falando como um gangsta de Compton, saber que
Chappie tem a mente de uma criança me deixou desolado: nas cidades em que a
violência e a desigualdade atingem números absurdos, quantos menores reais
ainda perderemos para criminalidade?
E esse é um dos grandes problemas de Chappie: seu realizador não consegue
acertar na abordagem: as sequências dramáticas não causam o impacto desejado
(com exceção do momento em que Chappie é atacado pelos meninos na rua), e o
humor jamais é bem-vindo. A concepção visual dos personagens e também não
ajuda, sendo a composição de Vincent a mais deprimente, ao colocar bermudas de
safari e uma pistola na cintura em Hugh Jackman, que ostenta uma franjinha
ridícula. A intenção de caricaturizar o vilão (que é um ex-militar gênio em
computação), deixando-o ao mesmo tempo ameaçador e ridículo acaba funcionando
apenas em um sentido. Os outros personagens, de Michelle, a empresária vivida por
Sigourney Weaver, a Ninja e Yo-landi, acabam casando com uma estética cyberpunk,
que por sua vez é proposta com ressalvas, pois o cineasta não quer saber de
refrescos em sua obra, apostando na mesma ambientação urbana caótica de seus
filmes anteriores (repetindo a parceria com o diretor de fotografia Trent
Opaloch), que ele utiliza para traçar paralelos com a realidade de um
continente massacrado por guerras e exploração intermináveis.
Blomkamp emula o cyberpunk no desenho de
seus personagens e cenários (o esconderijo onde Chappie mora com seus “pais” é
bem interessante), e parece guiar seu filme aos poucos para uma discussão
filosófica (robôs com alma, amantes da vida e com medo de morrer, e o mote da
transmutação) que, se não é nova, ao menos daria a Chappie uma curiosa aura poética, mesmo que durona. O problema é
que no cinema do sul-africano, as coisas são sempre resolvidas no olho por
olho, e a trama no fim embarca no que tinha maculado a experiência de seus outros
trabalhos, a decisão de resolver o maniqueísmo no braço. A violência choca pelo
excesso, e parece deslocada quando analisada ao lado da narrativa e do
protagonista, uma máquina de destruição que aprende a ser anti-belicista. Na
visão deturpada de seu diretor, Chappie
é a prova de que é importante ser da paz, mas vale partir para a obliteração se
for para vingar a família.
Chappie, Neill Blomkamp,
2015
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