Sunday, July 26, 2015

Chappie

Fica clara, nos filmes de Neill Blomkamp, a influência que o cinema que misturava ação e ficção científica nos anos 80 (que tinha em Robocop, de Paul Verhoeven, o seu maior representante) tem na obra do sul-africano. Os três filmes do diretor apostam em uma coerência narrativa (a força do midiatismo, a problematização da tecnologia) e visual e mergulham de cabeça em um nicho cinematográfico que há um bom tempo andava fora de moda. O problema que vem afligido Blomkamp nos filmes seguintes à sua estreia com o marcante Distrito 9, no entanto, se dão além disso. Com uma semelhança temática em seus filmes (que estão se tornando uma prisão da qual não consegue sair), o cineasta parece não conseguir se livrar do discurso panfletário e da sua tendência a interromper a reflexão proposta pelos roteiros com explosões injustificadas de violência.

Chappie até tenta ser um ponto fora da curva, ao buscar uma mudança de tom na narrativa (muito mais leve, por vezes inocente, principalmente se posta ao lado de seu debute e Elysium, o filme anterior do cineasta), mas ao repetir os mesmos erros e acertos, visuais e de discurso, dos longas anteriores de Blomkamp, acaba se tornando mais um trabalho decepcionante de uma carreira que já surge irregular.

A trama, escrita pelo diretor em parceria com Terri Tatchell, sua esposa, se inicia quase que da mesma forma que Distrito 9 (também escrito pela dupla): enquanto jornalistas e comentaristas de TV estabelecem de forma resumida a situação em que Joanesburgo se encontra, o espectador assiste a imagens que ilustram as palavras dos especialistas: quando a violência na capital sul-africana se tornou incontrolável, o governo contratou uma empresa para criar um exército de robôs que substituiriam os humanos na patrulha urbana. Nesse contexto, somos apresentados a Deon (Dev Patel), engenheiro idealizador dos robôs policiais, que de dia supervisiona o rendimento dos autômatos nas ruas e à noite trabalha em casa para a criação de algo revolucionário: um software que daria aos andróides uma consciência, sentimentos e pensamentos individuais.

As semelhanças com Robocop são evidentes, principalmente após a aparição de MOOSE, projeto idealizado por Vincent (tipo durão vivido por Hugh Jackman) de dróide imenso, capaz de combater desde crimes urbanos até abater aviões, e que é bem parecido com ED 209, que Murphy encarava em 1987. É decepcionante, no entanto, que Blomkamp e Tatchell não estejam precoupados em discutir até onde uma patrulha robótica deixa de ser auxílio policial e se torna paramilitarismo. Chappie parece propôr a discussão em seus primeiros minutos, mas em pouco tempo a abandona para abraçar um conto que mistura Um Robô em Curto Circuito, Pinóquio e sangue.

Chappie, primeiro e único robô inteligente criado por Deon, cai nas mãos do trio de bandidos pés-rapados formados por Ninja, Yo-landi (os rappers Ninja e Yo-landi, interpretando personagens batizados com seus nomes) e Amerika (Jose Pablo Cantillo), que pretendem utilizar o autômato para conseguir realizar um assalto milionário que os ajudaria a pagar uma dívida com o rei do crime local, conhecido como Hippo (Brandon Auret). Só tem um problema: Chappie se comporta como uma criança. Essa é a natureza da invenção de Deon, dar às máquinas a chance de viver.

Demonstrando uma curiosidade absurda para conhecer de tudo, o “bebê” Chappie aprende de tudo um pouco, passando rapidamente de palavras básicas (galinha, mamãe) a noções de honra, em uma cena em que assiste a He-Man (não deixa de ser estranho que a lealdade e honra sejam passados ao andróide através de Mestres do Universo, uma celebração nada velada do macho alfa). Nessa fase da vida, as lições que se aprende são extremamente importantes, e apesar de Deon fazer de tudo para ensinar bons valores ao robô, a convivência com os assaltantes faz com que Chappie passe a falar e andar de maneira semelhante a Ninja, que ele chama de “Papai”, e Amerika. E por mais que Blomkamp tente fazer graça com a imagem do robô ornado com cordões e anéis de ouro, com um andar gingado e e falando como um gangsta de Compton, saber que Chappie tem a mente de uma criança me deixou desolado: nas cidades em que a violência e a desigualdade atingem números absurdos, quantos menores reais ainda perderemos para criminalidade?

E esse é um dos grandes problemas de Chappie: seu realizador não consegue acertar na abordagem: as sequências dramáticas não causam o impacto desejado (com exceção do momento em que Chappie é atacado pelos meninos na rua), e o humor jamais é bem-vindo. A concepção visual dos personagens e também não ajuda, sendo a composição de Vincent a mais deprimente, ao colocar bermudas de safari e uma pistola na cintura em Hugh Jackman, que ostenta uma franjinha ridícula. A intenção de caricaturizar o vilão (que é um ex-militar gênio em computação), deixando-o ao mesmo tempo ameaçador e ridículo acaba funcionando apenas em um sentido. Os outros personagens, de Michelle, a empresária vivida por Sigourney Weaver, a Ninja e Yo-landi, acabam casando com uma estética cyberpunk, que por sua vez é proposta com ressalvas, pois o cineasta não quer saber de refrescos em sua obra, apostando na mesma ambientação urbana caótica de seus filmes anteriores (repetindo a parceria com o diretor de fotografia Trent Opaloch), que ele utiliza para traçar paralelos com a realidade de um continente massacrado por guerras e exploração intermináveis.

Blomkamp emula o cyberpunk no desenho de seus personagens e cenários (o esconderijo onde Chappie mora com seus “pais” é bem interessante), e parece guiar seu filme aos poucos para uma discussão filosófica (robôs com alma, amantes da vida e com medo de morrer, e o mote da transmutação) que, se não é nova, ao menos daria a Chappie uma curiosa aura poética, mesmo que durona. O problema é que no cinema do sul-africano, as coisas são sempre resolvidas no olho por olho, e a trama no fim embarca no que tinha maculado a experiência de seus outros trabalhos, a decisão de resolver o maniqueísmo no braço. A violência choca pelo excesso, e parece deslocada quando analisada ao lado da narrativa e do protagonista, uma máquina de destruição que aprende a ser anti-belicista. Na visão deturpada de seu diretor, Chappie é a prova de que é importante ser da paz, mas vale partir para a obliteração se for para vingar a família.

Chappie, Neill Blomkamp, 2015 

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