Para quem conhece o trabalho de Gaspar Noé
e seu gosto por buscar o choque, às vezes até mais do que a excelência
narrativa, um longa de duas horas e meia com cenas de sexo explícito parecia o
próximo passo. No entanto, mesmo alardeado como o filme mais polêmico do ano,
mais ou menos como em 2013 o mundo recebeu Ninfomaníaca,
de Lars von Trier, Love é muito mais
convencional do que parece. Sim, o sexo preenche a narrativa e é parte inerente
à trama, mas no fundo, o quarto longa-metragem do franco-argentino é um filme
de dor de cotovelo como já visto diversas vezes.
A trama, escrita pelo próprio Noé,
acompanha Murphy (Karl Glusman) que, em um dia de Ano Novo, recebe a ligação dizendo
que Electra (Aomi Muyock), sua ex-namorada, está desaparecida há dois meses. O
telefonema desesperado, feito pela mãe da moça, faz com que Murphy, agora um pai
de família insatisfeito com sua vida, mergulhe em uma melancolia profunda,
enquanto divide seu tempo entre procurar por Electra e relembrar os bons e maus
momentos de seu relacionamento.
Nos flashbacks, o texto tenta desenhar
seus personagens. Começa aí um jogo por parte de seu diretor, que parece jamais
equilibrar ironia e auto-crítica. Murphy é um diretor de cinema que sonha em rodar
histórias que soem verdadeiras, que emocionem de verdade (“sangue, esperma e
lágrimas”, ele diz). Em uma festa pseudo-religiosa regada a alucinógenos, o
jovem diz que sonha em comandar um longa que não desassocie amor e sexo, exatamente
como o próprio Noé definiu seu feito para quem quisesse ouvir nas entrevistas
para promover seu filme em Cannes. O cineasta parece dar muita importância à
sua obra (mais do que a devida, aliás), tratando seu trabalho como um
experimento revolucionário, ignorando o fato de que não é o primeiro, nem o
segundo, romance pornô da história.
O tom de auto-indulgência se estende além do
texto. Love é muito mais longo do que
deveria, e a sofrença de Murphy (que perdeu Electra muito devido ao seu ciúme
descontrolado e ao seu machismo nada velado), intercalada com sequências que
abordam a intimidade dos protagonistas, acaba por perder força com o tempo.
Aliás, mais do que isso: além da inexplicável inserção de uma criança chamada
Gaspar e um dono de galeria de arte chamado Noé (e vivido pelo próprio cineasta) na trama, a narrativa se revela
frágil demais (e óbvia também, na paleta de cores escolhida pelo diretor, em parceria com o diretor de fotografia Benoît Debie: amarelo: felicidade, vermelho: remorso, culpa) para sustentar 135 minutos de um relacionamento em espiral para
baixo, mesmo que os atores (o casal principal e Klara Kristin, que interpreta
Omi, atual namorada de Murphy) se esforcem bastante e que o polemizado sexo entre
Glusman, Muyock e Kristin seja de fato bem encenado.
Talvez esteja aí a vantagem de Love sobre Ninfomaníaca: se von Trier se embananou todo para contar a história
de Joe, confundindo sexualidade com insolência religiosa e resolvendo tudo na
base da castração, em cenas soft porn com tom moralista , o longa de Gaspar Noé
é mais honesto em seu cruzamento de 9
Canções (Winterbottom, 2004) com uma versão não-hipster de 500 Dias com Ela (Webb, 2009),
apostando em uma putaria faustosa, com direito a penetração filmada de dentro
da vagina e ejaculação em primeiríssimo plano que, se não dão origem a uma obra inesquecível, ao menos devem transformar suas
sessões 3D em um acontecimento.
Love, Gaspar Noé, 2015
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