Se
levarmos em conta a experiência do cineasta John Erick Dowdle com filmes de
terror, não deixa de ser coerente que seu primeiro filme de ação seja na
verdade um horror de sobrevivência. Não surpreende também que o diretor utilize
os membros de uma família média norte-americana (protagonistas clássicos do
estilo) como personagens centrais de sua narrativa recheada de suspense. O que
parece fora de lugar em Horas de
Desespero, no entanto, é o fato de o longa-metragem se utilizar do flerte
entre aventura e terror para pintar um quadro que antropomorfiza as neuroses norte-americanas
em relação à prevalência social, visão sob a qual o estrangeiro é visto como
ameaça constante.
A
trama, escrita por John Erick e seu irmão – e constante colaborador – Drew
Dowdle, acompanha uma família, que se muda para um país asiático após o pai,
Jack (Owen Wilson), ser enviado para lá a fim de gerenciar um projeto de fins hídricos
naquele lugar. O que Jack, sua esposa Annie (Lake Bell) e as pequenas Beeze
(Claire Geare) e Lucy (Sterling Jerins) não sabiam, no entanto, é que acabariam
no meio de uma guerra civil que eclodiu justamente como consequência de
protestos de uma parcela da população contra a exploração indevida do local por
países de primeiro mundo. Agora, os Dwyers precisarão fugir dos rebeldes ultranacionalistas
que estão assassinando os estrangeiros no território.
O
passado de John Erick Dowdle com um cinema que aposta na tensão da incerteza
sobre o futuro dos protagonistas parece ajudá-lo a estabelecer o cenário no
qual a ação se desenvolve. Quarentena
(2008), Demônio (2010) e Assim na Terra como no Inferno (2014), seus
últimos três trabalhos, se assemelham a Horas
de Desespero no fato de, em linhas gerais, serem sobre pessoas que tentam
fugir de um lugar a fim de escaparem de um perigo que se aloja ali. Dessa vez,
no entanto, a ambientação (o longa foi rodado na Tailândia, se aproveitando de
todos os becos possíveis), e a forma como a narrativa aborda os vilões, uma horda
de asiáticos enfurecidos, sugerem que os zumbis velocistas da primeira metade
da década passada também foram fortes influências.
E
é justamente quando funde o cinema de ação (representado pelo inglês Hammond,
personagem de Pierce Brosnan e seu habitual tom blasé, e seu parceiro Kenny
Rogers, vivido por Sahajak Boonthanakit) com os mortos-vivos corredores de Extermínio (Danny Boyle, 2002) e Madrugada dos Mortos (Zack Snyder,
2004) que o filme dos irmãos Dowdle comete o equívoco de subverter o comentário
social de um subgênero que, criado nos anos 60 por George R. Romero, lançava
mão dos zumbis para discutir a decadência do Homem sem jamais afirmar o
primeiro mundo como exemplo bem-sucedido de sociedade.
Pois,
enquanto nos últimos quinze anos Boyle e Snyder reforçavam a ideia de que a
sociedade, independente de economia, não se sustenta quando a civilidade
desaparece, os asiáticos assassinos (movidos unicamente pela vontade de matar o
estrangeiro) de Horas de Desespero
estão ali apenas para materializarem a paranoia do “guerrilheiro amarelo”, e
não deixa de ser revelador que o país no qual a narrativa acontece nunca tenha
seu nome revelado. Dessa forma fica mais fácil execrar toda uma região, na
forma de um Estado fictício que faz fronteira com o Vietnã. E a América,
representada por Jack e sua família, no arco batido do relacionamento falido
que é salvo por uma situação limite, acaba transformada em heroína (com direito
a exagero no uso da câmera lenta, como que para autenticar os feitos heroicos daqueles
indivíduos) de uma história que a tem claramente como a verdadeira vilã. Chega
a ser quase risível.
Nesse
contexto, a escalação de Owen Wilson e Lake Bell (atores muito mais à vontade
com a água com açúcar hollywoodiana do que com o suspense) acaba sendo o único –
e improvável – acerto do longa ao corroborar com o tom involuntário de comédia sociopata
que os Dowdles validam sem querer.
No Escape, John Erick Dowdle, 2015
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