Monday, October 19, 2015

Horas de Desespero

Se levarmos em conta a experiência do cineasta John Erick Dowdle com filmes de terror, não deixa de ser coerente que seu primeiro filme de ação seja na verdade um horror de sobrevivência. Não surpreende também que o diretor utilize os membros de uma família média norte-americana (protagonistas clássicos do estilo) como personagens centrais de sua narrativa recheada de suspense. O que parece fora de lugar em Horas de Desespero, no entanto, é o fato de o longa-metragem se utilizar do flerte entre aventura e terror para pintar um quadro que antropomorfiza as neuroses norte-americanas em relação à prevalência social, visão sob a qual o estrangeiro é visto como ameaça constante.

A trama, escrita por John Erick e seu irmão – e constante colaborador – Drew Dowdle, acompanha uma família, que se muda para um país asiático após o pai, Jack (Owen Wilson), ser enviado para lá a fim de gerenciar um projeto de fins hídricos naquele lugar. O que Jack, sua esposa Annie (Lake Bell) e as pequenas Beeze (Claire Geare) e Lucy (Sterling Jerins) não sabiam, no entanto, é que acabariam no meio de uma guerra civil que eclodiu justamente como consequência de protestos de uma parcela da população contra a exploração indevida do local por países de primeiro mundo. Agora, os Dwyers precisarão fugir dos rebeldes ultranacionalistas que estão assassinando os estrangeiros no território.

O passado de John Erick Dowdle com um cinema que aposta na tensão da incerteza sobre o futuro dos protagonistas parece ajudá-lo a estabelecer o cenário no qual a ação se desenvolve. Quarentena (2008), Demônio (2010) e Assim na Terra como no Inferno (2014), seus últimos três trabalhos, se assemelham a Horas de Desespero no fato de, em linhas gerais, serem sobre pessoas que tentam fugir de um lugar a fim de escaparem de um perigo que se aloja ali. Dessa vez, no entanto, a ambientação (o longa foi rodado na Tailândia, se aproveitando de todos os becos possíveis), e a forma como a narrativa aborda os vilões, uma horda de asiáticos enfurecidos, sugerem que os zumbis velocistas da primeira metade da década passada também foram fortes influências.

E é justamente quando funde o cinema de ação (representado pelo inglês Hammond, personagem de Pierce Brosnan e seu habitual tom blasé, e seu parceiro Kenny Rogers, vivido por Sahajak Boonthanakit) com os mortos-vivos corredores de Extermínio (Danny Boyle, 2002) e Madrugada dos Mortos (Zack Snyder, 2004) que o filme dos irmãos Dowdle comete o equívoco de subverter o comentário social de um subgênero que, criado nos anos 60 por George R. Romero, lançava mão dos zumbis para discutir a decadência do Homem sem jamais afirmar o primeiro mundo como exemplo bem-sucedido de sociedade.

Pois, enquanto nos últimos quinze anos Boyle e Snyder reforçavam a ideia de que a sociedade, independente de economia, não se sustenta quando a civilidade desaparece, os asiáticos assassinos (movidos unicamente pela vontade de matar o estrangeiro) de Horas de Desespero estão ali apenas para materializarem a paranoia do “guerrilheiro amarelo”, e não deixa de ser revelador que o país no qual a narrativa acontece nunca tenha seu nome revelado. Dessa forma fica mais fácil execrar toda uma região, na forma de um Estado fictício que faz fronteira com o Vietnã. E a América, representada por Jack e sua família, no arco batido do relacionamento falido que é salvo por uma situação limite, acaba transformada em heroína (com direito a exagero no uso da câmera lenta, como que para autenticar os feitos heroicos daqueles indivíduos) de uma história que a tem claramente como a verdadeira vilã. Chega a ser quase risível.

Nesse contexto, a escalação de Owen Wilson e Lake Bell (atores muito mais à vontade com a água com açúcar hollywoodiana do que com o suspense) acaba sendo o único – e improvável – acerto do longa ao corroborar com o tom involuntário de comédia sociopata que os Dowdles validam sem querer.

No Escape, John Erick Dowdle, 2015 

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