Já
faz algum tempo que o mundo notou a verdadeira intenção dos estúdios acerca da
enxurrada de reboots/continuações de franquias estabelecidas que semana após
semana tomam os cinemas. Mais do que apresentar clássicos aos mais jovens, é o
valor comercial da renovação de marcas famosas (que geram inúmeras possibilidades
financeiras com o licenciamento) que conta. Nesse contexto, em que o dinheiro
fala tão alto, acaba sendo mais aconselhável correr menos riscos, reprisando
tramas, personagens e dilemas (como recentemente fizeram Poltergeist, Jurassic World
e outros). E é por isso que é seguro dizer que a releitura de Caça-Fantasmas pelas mãos de Paul Feig
é um produto bastante corajoso.
Não
que exista mudança muito grande nas linhas gerais. Escrita por Feig e Katie
Dippold, a trama também trata de cientistas que caçam espíritos em Nova York.
As diferenças em relação ao original se dão um pouco além da superfície.
Transformar os protagonistas em mulheres (Melissa McCarthy, Kristen Wiig, Kate
McKinnon e Leslie Jones substituem Bill Murray, Dan Aykroyd, Harold Ramis e
Ernie Hudson) abre novas possibilidades no desenvolvimento das personagens (o
trauma de infância que Erin, personagem de Wiig, precisa vencer, por exemplo), além
de atualizar o cenário.
Se
o clássico de Ivan Reitman pegava carona no Reaganismo ao transformar seus
heróis em blue-collars sem o menor prestígio social (algo que o uniforme dos personagens,
similar ao dos encanadores, já denunciava), as heroínas desta nova roupagem da
série estão aí para afirmar a posição cada vez mais atuante das mulheres na
sociedade. As piadas estão ali como que para deixar claro que a dominação
masculina está chegando ao fim.
Não
que Caça-Fantasmas seja um filme
essencialmente panfletário. Suas gags não malham os homens descaradamente, com
exceção do medidor fantasmagórico em forma de vagina e o momento em que as
heroínas atiram no saco de um fantasma. O texto prefere, em vez disso, resolver
a discussão ao deixar o antes sexo frágil resolver problemas que o prefeito
(Andy Garcia) e seus agentes não conseguem. É ótimo também ver Holtzmann
(McKinnon) explicar em velocidade frenética a tecnologia presente nos
equipamentos da equipe sabendo que suas companheiras – mesmo Patty (Jones), que
não é cientista – estão seguindo seu raciocínio sem problemas.
Esse
é o maior filme de Paul Feig, tanto em orçamento, quanto em se analisarmos sua
filmografia recente, que coloca mulheres no centro de subgêneros caros ao sexo
masculino. Possui o tom fraterno de Missão
Madrinha de Casamento, na amizade acidentada de Abby (McCarthy) e Erin, e
tem também o componente de ação que Feig já havia provado saber conduzir em A Espiã que Sabia de Menos. O clímax é
empolgante, ao misturar traços dos trabalhos anteriores de seu diretor com
momentos que reverenciam o longa original (o envolvimento do secretário
estúpido de Chris Hemsworth no terceiro ato), e até parecem reconhecer a responsabilidade
de estar à altura de seu irmão mais velho, em simbologias nada sutis como as
protagonistas quase morrerem esmagadas por um Stay Puft ou a logo original do
grupo que, usada pelo vilão Rowan North (Neil Casey), ganha vida e se torna um
monstro gigantesco.
Não
é a melhor obra de Feig (Missão Madrinha
de Casamento e A Espiã que Sabia de
Menos, duas das melhores comédias americanas da década, tinham um timing
muito mais certeiro no humor), mas é certamente a que mais mostra a variedade
de seus talentos, além de demonstrar que o cineasta entende também da mídia que
explora, ao utilizar as razões de aspecto 1.85:1 e 1.90:1 na projeção em IMAX.
Desta forma, o longa passa nos cinemas com aquelas faixas pretas em cima e sob
a imagem (como no widescreen dos DVDs e blu-rays), o que possibilita ao diretor
usar de forma mais competente o 3D, com uma profundidade de campo correta e
objetos que com frequência se sobrepõem às tarjas nos polos da tela. Caça-Fantasmas vale a pena nem que seja
só por isso, ver que é possível um reboot atualizar e modernizar discurso e
mídia.
Obs.
1: Apesar de apresentar conceitos novos, essa refilmagem homenageia várias
vezes o longa original, em armas, veículos (o Ecto-1 não poderia faltar), e ao
colocar o elenco original em pontas bem-humoradas.
Obs.
2: Se o Ghostbusters original foi
traduzido no Brasil como OS Caça-Fantasmas, por que diabos
essa nova versão perdeu o artigo na tradução? A sua franquia foi tomada por mulheres,
elas são ótimas, e o longa é uma beleza. Aceitem.
Ghostbusters, Paul Feig, 2016 ½
1 comment:
Aceita que dói menos, sociedade!!
Texto maravilhoso!! Amei o filme!!
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