Não é à toa que os irmãos Benny e Joshua
Safdie se tornaram dois dos nomes mais quentes do cinema independente norte-americano
nos últimos anos. Com pouco mais de trinta anos de idade e quase uma década
depois do lançamento de seu primeiro longa-metragem, os Safdie vêm construindo
uma filmografia coesa em qualidade, mas também em temática, ambientação e
referências. Sendo constantemente comparados a John Cassavetes, pela maneira
como integram atores amadores e profissionais para contarem histórias que soem
reais, os cineastas acabam encontrando par também em nomes como Martin Scorsese
e Abel Ferrara, por abordarem tipos marginais em filmes que se comportam como
crônicas sobre Nova York.
Analisado pelo desenvolvimento de
personagens, Bom Comportamento, o
novo filme dos irmãos Safdie, é irmão dos três primeiros longas de ficção da
dupla: é um integrante natural de uma filmografia que conta com The Pleasure of Being Robbed (2008), Traga-me Alecrim (2009) e Amor, Drogas e Nova York (2014), que
tinham como protagonistas homens e mulheres que estavam (ou precisavam estar) em
vários lugares ao mesmo tempo, aplacando o seu caos interior no caos urbano da
maior metrópole do mundo. E em constante movimento está também Connie (Robert
Pattinson), desesperado para arrumar os dez mil dólares que ajudarão a libertar
Nick (Benny Safdie), seu irmão deficiente mental, preso por sua causa após um
assalto.
Em questão de horas, Connie vai esbarrar
com tipos dos mais diversos na sua epopeia em busca do dinheiro. Vemos o rapaz
entrar em contato com a amante (Jennifer Jason Leigh) e conhecer a adolescente Crystal
(Taliah Webster) e o traficante Ray (Buddy Duress), em uma madrugada que parece
muito mais longa do que o normal (assim como Traga-me Alecrim também aparentava acontecer durante um tempo muito
mais longo do que as duas semanas em que a história transcorre), justamente
porque o protagonista não fica em um lugar por muito tempo, sempre correndo por
uma Manhattan obscura e pouco atraente.
Além de coerente com a obra dos Safdie, Bom Comportamento representa também uma
evolução dos cineastas: é um passo em direção a um cinema de gênero mais definido
(Amor, Drogas e Nova York, por
exemplo, tinha ares de melodrama, mas Josh e Benny estavam mais preocupados com
a fusão de rigor e improviso que tinha virado a marca de seu cinema), e toca em
assuntos que ainda não haviam sido explorados por eles, como a questão racial e
o abismo social. Connie, na melhor performance da carreira de Pattinson,
carrega o olhar do espectador por uma cidade que é microcosmo dos Estados
Unidos e transforma o longa em uma peça crítica à organização sociopolítica norte-americana
atual.
Por isso tudo, o ambiente é bem mais do
que cenário por aqui. O local dos acontecimentos do roteiro de Ronald Bronstein
e Benny Safdie é personagem, tão importante quando as pessoas que povoam a tela
e são filmadas muitas vezes em plano fechado, como se os diretores estivessem
buscando algo a mais naqueles indivíduos periféricos. Fica a impressão de que a
narrativa não aconteceria sem Connie, Nick, Ray e Crystal, mas ainda mais
urgente, não poderia se desenrolar em outro lugar que não este. Josh e Benny
são nova-iorquinos claramente interessados em descortinar sua cidade natal, e
seus trabalhos compreendem uma intenção não de serem ode, mas relato.
Dessa vez, ao contrário dos seus longas
anteriores, a solução encontrada pelos Safdie para validarem a sua visão sobre
a ambientação não foi o drama, mas o cinema policial, e eles resolvem narrar Bom Comportamento quase como se Caminhos Perigosos (Martin Scorsese,
1973) fizesse parte da tradição de filmes que se passam no decorrer de uma noite.
É difícil não imaginar que a missão do ladrão vivido por Pattinson é quase impossível
e tem cheiro de tragédia, já que tudo está comprimido em um espaço de tempo tão
curto. Mas no fim, para bem ou para mal, acaba sendo um alívio saber que Connie
e Nick acabaram mesmo onde deveriam ficar.
Good
Time,
Benny Safdie e Josh Safdie, 2017
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