Filmes de boxe nunca são sobre lutas e
cinturões. Independente da qualidade, de Touro
Indomável (Scorsese, 1980) a A Luta
pela Esperança (Howard, 2005), de Clint Eastwood a Antoine Fuqua, os longas
ambientados no mundo do boxe são famosos por utilizarem narrativas que têm os
ringues como cenário para estudo de personagem e que analisam de forma crítica
questões sociais importantes através dos olhos de seus protagonistas. Quando
bem trabalhado, o subgênero entrega pequenas obras-primas sobre a vida. Quando
feito com menos talento, ele só se realiza mesmo na hora da pancadaria.
A
Guerra dos Sexos é sobre um outro esporte, é verdade, mas
toma para si o modus operandi dos filmes de boxe ao recontar a histórica
partida de tênis entre Billie Jean King, que em 1973 era a melhor jogadora do
mundo, e Bobby Riggs, ex-jogador e um apostador compulsivo. O confronto ficou
conhecido como uma disputa entre as mulheres e o chauvinismo, dado o
engajamento de Billie Jean em causas feministas (e sempre falando em defesa do
tênis feminino) e as declarações machistas do fanfarrão Riggs, e o longa de
Jonathan Dayton e Valerie Faris se debruça sobre o caso com carinho na
reconstituição de época.
O cuidado estético é, inclusive, um dos
grandes acertos do projeto. A dedicação à ambientação fica clara desde antes
dos créditos. O design de produção de Judy Becker funciona, aliado à fotografia
de Linus Sandgren e aos figurinos de Mary Zophres, para que o espectador tenha
noção de que tudo aconteceu há mais de 40 anos e entenda a dimensão da coragem
que uma mulher precisava para se rebelar, quando os direitos femininos eram
vistos como piada por grande parte da sociedade norte-americana. O grande
problema é que a competência técnica jamais encontra eco no roteiro de Simon
Beaufoy, que não consegue dar profundidade aos temas propostos pela narrativa.
As manobras que Beaufoy toma para desenvolver
a trama são simplistas. Os atos estão bem definidos, mas os dramas são pedestres.
Tudo se resolve de maneira instantânea (a expulsão das tenistas da USTA, por
exemplo, é tratada em um diálogo de menos de 10 segundos e retomado em outra
conversa entre os mesmos personagens no terceiro ato), como se o filme tivesse
pressa para chegar logo ao momento da partida entre Billie Jean e Riggs. O
texto é preguiçoso também ao não conseguir fazer mais do que criar tipos (a
empresária atenciosa, a esposa decepcionada, o engravatado preconceituoso, a
rival com estilo de vida oposto) que se comportam como pessoas reais, mas que
jamais soam verossímeis.
Já a direção de Dayton e Faris não faz
muito diferente do estilo adotado no ótimo Pequena
Miss Sunshine (2006) e em Ruby
Sparks: A Namorada Perfeita (2012), seus dois trabalhos anteriores: insere
leveza no registro de uma história que carrega certa carga de dramaticidade.
Infelizmente, pela urgência e universalidade do seu comentário, o longa acaba
parecendo leve demais, ao ponto de seu discurso não chegar a lugar algum. O
resultado é melhor do que Ruby Sparks
(que não passava de um exercício de pretensão), mas A Guerra dos Sexos parece ficar pelo meio do caminho, apesar do
talento dos diretores para conduzir o elenco (que conta com Bill Pullman, Alan
Cumming e Sarah Silverman em papéis menores), em especial os dois
protagonistas, em composições brilhantes.
Como Billie Jean King, Emma Stone consegue
vencer o desenho preguiçoso que o texto faz de sua personagem. A protagonista
poderia acabar soando apenas aborrecida, já que é pintada como uma mulher
apenas preocupada com sua performance e dada a discursos. Mas é comovente a
entrega da atriz, que transforma Billie Jean em uma mulher forte, sim, mas
real, com dúvidas e aflições tocantes e um olhar que comove, principalmente
quando se envolve com a cabeleireira Marilyn (Andrea Riseborough). E Steve
Carell mais uma vez comprova seu talento ao dar vida ao midiático Bobby Riggs
quase como uma versão de Michael Scott (personagem que o ator viveu na série
The Office) com doses cavalares de machismo, mas que desmonta em um diálogo com
a esposa Priscilla (Elisabeth Shue).
As atuações e a reconstituição de época
são os pontos altos de um filme que se sabota o tempo todo, iniciando
discussões sobre feminismo e homofobia, mas constantemente abandonando o
engajamento devido a um roteiro tolo e seus personagens unidimensionais. Este
poderia ser um registro indispensável nesses tempos que veem o fortalecimento
do conservadorismo e o abafamento das vozes que ainda se levantam pelo fim da
intolerância, mas em vez de se tornar uma peça de resistência necessária na Era
Trump, se contenta em ser só um simpático relato de um momento importante. Como
em alguns filmes de boxe, aqueles não tão bons, A Guerra dos Sexos se sai muito melhor como distração do que como
manifesto.
Battle
of the Sexes, Jonathan Dayton e Valerie Faris, 2017 ½
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