Tuesday, December 04, 2012

Holy Motors


Difícil falar sobre o filme de Leos Carax. Uma coleção de sequencias aparentemente sem conexão, mas que guardam em seu âmago uma ligação e uma coesão que as tornam inseparáveis, Holy Motors é a mais bela ode à cinefilia dos últimos anos.

O longa se inicia com um homem (interpretado pelo próprio diretor, em uma cena que dá início à metalinguagem que estará presente durante toda a projeção) em seu quarto. Ele se levanta da cama e dirige-se a uma porta. Ao abrir a porta, o homem descobre que essa porta dá acesso a uma grande sala de cinema. Após essa sequencia magnificamente fotografada em preto-e-branco conhecemos o Sr. Oscar. Durante um dia, acompanhamos sua viagem por Paris a bordo de uma limusine e sua transformação em diferentes personagens ao longo da narrativa (empresário, mendiga, assassino, até um esquisito duende), graças à competente maquiagem e à versatilidade do ator Denis Lavant.

Uma rápida pesquisa pela internet revela que Carax é um cineasta à moda antiga, que prefere a película à projeção digital. Seu sexto longa-metragem é, portanto, um grito apaixonado e nostálgico ao antigo fazer cinematográfico, o que fica bem claro no momento em que o protagonista diz que preferia quando as câmeras eram grandes e pesadas. O diretor vai além, santifica as tradições cinematográficas (o próprio título deixa isso claro: holy, “santo” em inglês, e motors, que representa a película em comparação com o digital) e os gêneros: vemos Sr. Oscar viver microfilmes e passear por ficção científica, romance, suspense e musical. A pluralidade de identidades chega a lembrar Cidade dos Sonhos, a obra-prima de David Lynch.

A peregrinação do protagonista por uma grande cidade dentro de uma limusine branca faz o filme de Leos Carax rimar estranhamente com Cosmópolis, de David Cronenberg, mas enquanto o canadense usava o luxuoso veículo para comentar o capitalismo, Carax transforma o seu em personagem que contribui para o clima melancólico de morte do verdadeiro cinema, da película. Em certo momento, as limusines ganham voz, conversam e chegam a uma conclusão: “estamos caducas”. Temos aqui o Cosmópolis da representação.

Poucos filmes nos últimos anos foram tão corajosos e ousados quanto Holy Motors. Nenhum em 2012 conseguiu ser tão chocante em sua forma. Ao transformar o Cinema e seus mais de 100 anos em personagem abstrato (uma aura que envolve a todos, o cansaço do protagonista, a voz da limusine), Leos Carax faz poesia visual sem concessões, sem facilitar para o público, que precisa de coragem para se aventurar pela porta na parede e chegar à sala de exibição, mas que uma vez lá, tem o esforço plenamente recompensado.

Holy Motors, Leos Carax, 2012 

2 comments:

João said...

grande filme e muito superior a cosmópolis> um filme pra refletir sem termos a certeza do que significa tudo aquilo.

Raquel Raposo said...

Filme muito louco e muito bom!!
E muito melhor que 'Cosmópolis', que é chato pra caramba.