Difícil falar sobre o filme de Leos Carax. Uma coleção de sequencias
aparentemente sem conexão, mas que guardam em seu âmago uma ligação e uma
coesão que as tornam inseparáveis, Holy Motors é a mais bela ode à cinefilia
dos últimos anos.
O longa se inicia com um homem (interpretado pelo próprio diretor, em uma cena que
dá início à metalinguagem que estará presente durante toda a projeção) em seu
quarto. Ele se levanta da cama e dirige-se a uma porta. Ao abrir a porta, o
homem descobre que essa porta dá acesso a uma grande sala de cinema. Após essa sequencia
magnificamente fotografada em preto-e-branco conhecemos o Sr. Oscar. Durante um
dia, acompanhamos sua viagem por Paris a bordo de uma limusine e sua transformação
em diferentes personagens ao longo da narrativa (empresário, mendiga, assassino,
até um esquisito duende), graças à competente maquiagem e à versatilidade do
ator Denis Lavant.
Uma rápida pesquisa pela internet revela que Carax é um cineasta à moda
antiga, que prefere a película à projeção digital. Seu sexto longa-metragem é,
portanto, um grito apaixonado e nostálgico ao antigo fazer cinematográfico, o
que fica bem claro no momento em que o protagonista diz que preferia quando as
câmeras eram grandes e pesadas. O diretor vai além, santifica as tradições
cinematográficas (o próprio título deixa isso claro: holy, “santo” em inglês, e motors, que representa a película em comparação com o digital) e os gêneros:
vemos Sr. Oscar viver microfilmes e passear por ficção científica, romance,
suspense e musical. A pluralidade de identidades chega a lembrar Cidade dos
Sonhos, a obra-prima de David Lynch.
A peregrinação do protagonista por uma grande cidade dentro de uma
limusine branca faz o filme de Leos Carax rimar estranhamente com Cosmópolis, de David
Cronenberg, mas enquanto o canadense usava o luxuoso veículo para comentar o
capitalismo, Carax transforma o seu em personagem que contribui para o clima
melancólico de morte do verdadeiro cinema, da película. Em certo momento, as
limusines ganham voz, conversam e chegam a uma conclusão: “estamos caducas”. Temos aqui o Cosmópolis da representação.
Poucos filmes nos últimos anos foram tão corajosos e ousados quanto
Holy Motors. Nenhum em 2012 conseguiu ser tão chocante em sua forma. Ao
transformar o Cinema e seus mais de 100 anos em personagem abstrato (uma aura
que envolve a todos, o cansaço do protagonista, a voz da limusine), Leos Carax faz
poesia visual sem concessões, sem facilitar para o público, que precisa de
coragem para se aventurar pela porta na parede e chegar à sala de exibição, mas
que uma vez lá, tem o esforço plenamente recompensado.
Holy Motors, Leos Carax, 2012 

2 comments:
grande filme e muito superior a cosmópolis> um filme pra refletir sem termos a certeza do que significa tudo aquilo.
Filme muito louco e muito bom!!
E muito melhor que 'Cosmópolis', que é chato pra caramba.
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