Friday, January 18, 2013

Django Livre


O cinema de Quentin Tarantino existe em um universo próprio. As tramas de sua filmografia coexistem no que é uma espécie de realidade alternativa do mundo em que vivemos. Uma das características mais marcantes em sua filmografia são essa coerência e as conexões, às vezes sutis, entre filmes diferentes (Vic, de Cães de Aluguel, e Vincent, de Pulp Fiction, mafiosos que compartilham o mesmo sobrenome, Vega; o xerife que analisa a chacina de El Paso em Kill Bill e reaparece em À Prova de Morte). Essa coesão artística é parte do que faz cada filme seu um acontecimento.
                                                                                                
Outra de suas marcas é o talento genuíno para ir do humor ao completo estado de tensão em sequencias que têm início a partir de conversas banais. Existe, em seus textos, sempre uma preocupação em situar os personagens no local onde habitam e convivem, e por isso eles falam de diversos assuntos que não fazem parte da trama principal. Discutem sobre música pop e fast food, contam piadas, reclamam do desconforto que acessórios de vestimenta como máscaras e afins causam, tudo isso para que os longas explodam em uma violência absurda no momento seguinte.

Mas não é só isso: nos últimos anos, Tarantino (que está perto de completar 50 anos) resolveu filmar algo além de sua profunda paixão pelo Cinema, a sua profunda crença no poder do mesmo, e passou a utilizar as telas para reescrever a História. Em Bastardos Inglórios, de 2009, Hitler é morto por Judeus em um cinema. Já em Django Livre, sua nova empreitada, o cruel e escravagista sul dos Estados Unidos vê um negro ser libertado e se tornar um caçador de recompensas, matando brancos por dinheiro.

A sequencia que inicia o filme já abre o jogo e conta o tema que irá permear toda a projeção: uma fileira de escravos acorrentados vê seus mercadores serem parados por um alemão, Dr. King Schultz (Christoph Waltz). Logo descobrimos que Schultz (esse último nome, cuja pronúncia lembra “shoots”, verbo na terceira pessoa do inglês que faz referência ao mesmo tempo a “atirar” e “filmar”, não é coincidência) é um caçador de recompensas que está atrás de um escravo que saiba o paradeiro de três fugitivos. Quando Django (Jamie Foxx) revela conhecer os homens, Schultz o liberta e começa com ele uma parceria e um acordo: eles trabalhariam juntos como caçadores de recompensas no inverno, e quando o gelo derretesse eles iriam ao Mississipi resgatar a esposa de Django, Broomhilda (Kerry Washington), que está sofrendo o diabo nas mãos de Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), um poderoso senhor de escravos.

O diretor nos entrega aqui alguns detalhes que são dignos de antologia, pela singeleza e eficácia em que se apresentam (as gigantescas letras brancas que levam a narrativa para o Mississipi e o plano que mostra Jamie Foxx enfocado pela abertura do nó de uma forca estão entre os melhores que o cineasta já concebeu). No texto, por se tratar de um filme ambientado dois anos da Guerra Civil Americana, as referências pop se diluem, mas em contrapartida o humor negro aumenta. A violência acontece em toneladas e, com exceção de uma cena envolvendo cães, sem chocar, por estar inserida em uma ambientação gráfica na qual a realidade mostrada é mais uma caricatura e um comentário do que um retrato da realidade vivida.

Por falar na representação da realidade, o elenco por sua vez entende o projeto, e entrega atuações que, caricaturais, beiram a canastrice dos melhores personagens escritos por Tarantino. Em matéria de personagens, Django Livre é quase um Greatest Hits de personalidades, e entre as grandes atuações a composição de Leonardo DiCaprio é o melhor exemplo, em sua amálgama de Vic Vega, Stuntman Mike (À Prova de Morte) e Hans Landa (Bastardos Inglórios).

Por outro lado, apesar de tantos pontos positivos, o longa parece sempre ficar um degrau abaixo de longas como Kill Bill e Pulp Fiction, e a sua duração influencia no resultado. O filme parece diminuir o ritmo em alguns momentos (o fim do segundo ato parece se arrastar) entre as quase três horas de projeção. Uns dez minutos a menos fariam muito bem.

Mas qualquer deslize é facilmente esquecido nos minutos finais, quando Django Livre volta aos trilhos e retoma o caminho da vitória, em uma série de cenas em sequencia que remontam os Western Spaghetti ao mesmo tempo em que se adequam com perfeição a essa nova fase do diretor, inclusive apostando em rimas visuais que fazem o espectador mais atento se lembrar de projetos passados do cineasta. Assim como em Bastardos, o fogo vem para lavar e levar a maldade embora. Como já foi dito, Tarantino acredita no poder do cinema e o utiliza para reescrever as páginas mais negras dos livros de História e mudar o curso dos fatos. Devido a isso, seus dois últimos filmes são se não os melhores (no caso de Django Livre, longe disso, na verdade), seus trabalhos mais importantes.

Django Unchained, Quentin Tarantino, 2012 

2 comments:

Raquel Raposo said...

Não chega a ser excelente como Bastardos(meu preferido!! *-*), mas é muito bom!!

joão said...

ótimo texto, com direito ao final de Bastardos revelado. Não gostei da enorme legenda branca e acho tão bom quanto Bastardo e Kill bill volume 2 que são meus preferidos