Quando
escrevi sobre Depois de Lúcia, disse
que faltava coragem ao cineasta Michel Franco para tornar seu longa-metragem
algo realmente memorável. Após apresentar seus personagens e sua trama de forma
brilhante, Franco se entregava ao caminho mais fácil, e sua tendência a resolver
tudo na base do “olho por olho” comprometia e muito o resultado daquele filme,
em um desfecho mais do que decepcionante. Bem, desse mal não sofre Thomas
Vinterberg e seu impressionante A Caça.
Livre
das amarras de seu Dogma 95 (movimento estético que Vinterberg ajudou a fundar,
e que tinha o não uso de luz artificial e trilha sonora que não fosse diegética
entre as suas regras), o cineasta dinamarquês constrói a tragédia pessoal de
Lucas, professor de uma escola infantil que vê seu mundo desabar quando uma das
crianças, filha de seu melhor amigo, o acusa de tê-la molestado. Em pouco
tempo, o mundo que o abraçava e que começava a se abrir para Lucas (ele acabara
de arrumar uma namorada, e seu filho adolescente planejava vir morar com ele)
lhe condena e o protagonista se vê sozinho, cada vez mais à mercê da revolta
vingativa da cidade, antes lotada de companheiros seus.
Em
momento algum o longa põe em dúvida a inocência de Lucas, vivido com
intensidade por Mads Mikkelsen. Levemente inspirado em um caso real ocorrido na
Noruega, A Caça mostra basicamente
uma comunidade se virando contra um de seus mais nobres filhos por causa do
pensamento coletivo de que as crianças não mentem jamais, e a natureza
contestadora de Vinterberg (o que o diretor assumiu em entrevistas) está mesmo
nessa crença.
Sabendo
ser impossível julgar as afirmações de Klara (a lindinha Annika Wedderkopp) o
roteiro, escrito pelo cineasta em parceria com Tobias Lindholm, preocupa-se em
retratar a cultura do revanchismo como modo (consentido pelo povo) de curar a
dor. Quanto apenas um lado é ouvido, não há nada muito diferente de se esperar.
Lucas sofre, e mesmo recebendo o apoio de alguns, lava suas feridas sozinho. Não
existe espaço para mártires em uma história que trata a pedofilia. Tratar o
protagonista como mais do que um inocente digno obrigaria a narrativa a transformar
os pais da menina e os outros moradores do lugar em monstros sem compaixão, o
que iria de encontro ao conceito de estudo de personagem e desconstruiria a
natureza da vingança da cidade contra Lucas.
Afinal,
é fácil nos apiedarmos de alguém que sabemos ser inocentes, mas na vida real
não é bem assim. Algumas feridas nunca fecharão, e A Caça diz isso quando justifica seu título simples, mostrando que
algumas palavras o vento não leva.
Jagten, Thomas Vinterberg, 2012 

1 comment:
"Quanto apenas um lado é ouvido, não há nada muito diferente de se esperar"
bela frase
ótima critica.filmaço
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