Friday, May 10, 2013

A Caça


Quando escrevi sobre Depois de Lúcia, disse que faltava coragem ao cineasta Michel Franco para tornar seu longa-metragem algo realmente memorável. Após apresentar seus personagens e sua trama de forma brilhante, Franco se entregava ao caminho mais fácil, e sua tendência a resolver tudo na base do “olho por olho” comprometia e muito o resultado daquele filme, em um desfecho mais do que decepcionante. Bem, desse mal não sofre Thomas Vinterberg e seu impressionante A Caça.

Livre das amarras de seu Dogma 95 (movimento estético que Vinterberg ajudou a fundar, e que tinha o não uso de luz artificial e trilha sonora que não fosse diegética entre as suas regras), o cineasta dinamarquês constrói a tragédia pessoal de Lucas, professor de uma escola infantil que vê seu mundo desabar quando uma das crianças, filha de seu melhor amigo, o acusa de tê-la molestado. Em pouco tempo, o mundo que o abraçava e que começava a se abrir para Lucas (ele acabara de arrumar uma namorada, e seu filho adolescente planejava vir morar com ele) lhe condena e o protagonista se vê sozinho, cada vez mais à mercê da revolta vingativa da cidade, antes lotada de companheiros seus.

Em momento algum o longa põe em dúvida a inocência de Lucas, vivido com intensidade por Mads Mikkelsen. Levemente inspirado em um caso real ocorrido na Noruega, A Caça mostra basicamente uma comunidade se virando contra um de seus mais nobres filhos por causa do pensamento coletivo de que as crianças não mentem jamais, e a natureza contestadora de Vinterberg (o que o diretor assumiu em entrevistas) está mesmo nessa crença.

Sabendo ser impossível julgar as afirmações de Klara (a lindinha Annika Wedderkopp) o roteiro, escrito pelo cineasta em parceria com Tobias Lindholm, preocupa-se em retratar a cultura do revanchismo como modo (consentido pelo povo) de curar a dor. Quanto apenas um lado é ouvido, não há nada muito diferente de se esperar. Lucas sofre, e mesmo recebendo o apoio de alguns, lava suas feridas sozinho. Não existe espaço para mártires em uma história que trata a pedofilia. Tratar o protagonista como mais do que um inocente digno obrigaria a narrativa a transformar os pais da menina e os outros moradores do lugar em monstros sem compaixão, o que iria de encontro ao conceito de estudo de personagem e desconstruiria a natureza da vingança da cidade contra Lucas.

Afinal, é fácil nos apiedarmos de alguém que sabemos ser inocentes, mas na vida real não é bem assim. Algumas feridas nunca fecharão, e A Caça diz isso quando justifica seu título simples, mostrando que algumas palavras o vento não leva.

Jagten, Thomas Vinterberg, 2012 

1 comment:

joão said...

"Quanto apenas um lado é ouvido, não há nada muito diferente de se esperar"

bela frase

ótima critica.filmaço