Monday, June 24, 2013

Juan dos Mortos


Desde que foi popularizado por George Romero no fim dos anos 60, os filmes de zumbi têm sido peça importante quando o Cinema quer mostrar o estado das coisas e das relações humanas. O gênero é sinônimo de comentário político. Portanto, retratar Havana como uma cidade em ruínas e dominada por mortos-vivos é uma sacada genial do diretor argentino Alejandro Brugués, dada a situação cubana atual e especialmente de sua capital.

Desde o primeiro plano, com um plongé que lembra As Aventuras de Pi, passando bruscamente para um contra-plongé que exibe a pequena balsa do protagonista flutuando no mar, quase como um mapa à deriva, que Juan dos Mortos dá a tônica de sua narrativa. O diálogo entre Juan e seu melhor amigo Lazaro (a frase que põe ponto final na hipótese de atravessarem a água rumo aos Estados Unidos é seca como a fotografia de Carles Gusi: “Em Miami eu teria que trabalhar.”) estabelece um ponto de vista antiamericano dos personagens e transborda uma veia humorística que é mais que bem-vinda: é essencial.

Sim, pois o que Brugués faz aqui é, através do grito de seus personagens contra a América, gritar contra o próprio povo cubano e seu monstro irreal. O cineasta transforma dissidentes em zumbis, lança frases de efeito (“Você é igualzinho a esse país: acontecem muitas coisas, mas você nunca muda.”) e utiliza uma desajeitada, e por isso cômica, estética de game hack and slash nas cenas de combate para cruzar o cinema cubano com o terrir mainstream, e faz disso tudo combustível para comentar a decadência da sociedade cubana, seu defasado posicionamento ideológico e seu atraso em relação ao resto do mundo. Pelo menos de acordo com o olhar de um nativo de lá (o diretor foi criado em Havana).

Para retratar os já citados confrontos, Brugués compensa os efeitos especiais de segunda (que rivalizam em artificialidade com a estética televisiva de Kaboom, de Gregg Araki, e que até conferem um charme de cinema de guerrilha à produção) com um domínio absurdo de seus atores. O elenco principal entende a proposta e se veste com os personagens como se todos tivessem escrito o roteiro juntamente com o diretor, que encontra em Alexis Díaz de Villegas um intérprete ideal para representar a trajetória de Juan em direção ao empreendedorismo, no comando de uma história que leva seu nome.

Transformar a morte em negócio e assassinos em heróis empreendedores não é coisa nova. O que refresca a ideia é fazer um povo explorar a miséria de si mesmo. Quando Lazaro diz que em Cuba sempre foi muito difícil distinguir os bons dos maus, Brugués direciona sua alfinetada não só para o governo totalitário e inflexível do país, mas para o povo que se deixou lavar a mente e se calou. Em Juan dos Mortos, é hora de lutar. Contra tudo, contra todos, a favor da liberdade.

E por mais que o comentário do diretor sobre a iconoclastia surja óbvia aqui e ali (ver zumbis sendo decepados à sombra da imagem de Che Guevara é um exemplo da falta de refinamento, talvez proposital, de Brugués), Juan dos Mortos é um longa que raramente perde as batalhas que disputa, por uma Cuba melhor, por um povo consciente e por um cinema de gênero potente vindo de terras (e águas) caribenhas em uma viagem, assim como alguns de seus personagens, para além dos limites territoriais de seu país, rumo ao reconhecimento.

Juan de los Muertos, Cuba, 2011 

1 comment:

João said...

pelo seu texto parece que é mais um filme politico. E estreia no mesmo dia de Guarra mundial Z. o que é isso? Dia internacional dos zumbis?