Desde
que foi popularizado por George Romero no fim dos anos 60, os filmes de zumbi
têm sido peça importante quando o Cinema quer mostrar o estado das coisas e das
relações humanas. O gênero é sinônimo de comentário político. Portanto, retratar
Havana como uma cidade em ruínas e dominada por mortos-vivos é uma sacada
genial do diretor argentino Alejandro Brugués, dada a situação cubana atual e
especialmente de sua capital.
Desde
o primeiro plano, com um plongé que
lembra As Aventuras de Pi, passando
bruscamente para um contra-plongé que
exibe a pequena balsa do protagonista flutuando no mar, quase como um mapa à
deriva, que Juan dos Mortos dá a
tônica de sua narrativa. O diálogo entre Juan e seu melhor amigo Lazaro (a
frase que põe ponto final na hipótese de atravessarem a água rumo aos Estados
Unidos é seca como a fotografia de Carles Gusi: “Em Miami eu teria que
trabalhar.”) estabelece um ponto de vista antiamericano dos personagens e
transborda uma veia humorística que é mais que bem-vinda: é essencial.
Sim,
pois o que Brugués faz aqui é, através do grito de seus personagens contra a
América, gritar contra o próprio povo cubano e seu monstro irreal. O cineasta
transforma dissidentes em zumbis, lança frases de efeito (“Você é igualzinho a
esse país: acontecem muitas coisas, mas você nunca muda.”) e utiliza uma
desajeitada, e por isso cômica, estética de game hack and slash nas cenas de combate para cruzar o cinema cubano com
o terrir mainstream, e faz disso tudo
combustível para comentar a decadência da sociedade cubana, seu defasado
posicionamento ideológico e seu atraso em relação ao resto do mundo. Pelo menos
de acordo com o olhar de um nativo de lá (o diretor foi criado em Havana).
Para
retratar os já citados confrontos, Brugués compensa os efeitos especiais de
segunda (que rivalizam em artificialidade com a estética televisiva de Kaboom, de Gregg Araki, e que até
conferem um charme de cinema de guerrilha à produção) com um domínio absurdo de
seus atores. O elenco principal entende a proposta e se veste com os
personagens como se todos tivessem escrito o roteiro juntamente com o diretor,
que encontra em Alexis Díaz de Villegas um intérprete ideal para representar a
trajetória de Juan em direção ao empreendedorismo, no comando de uma história
que leva seu nome.
Transformar
a morte em negócio e assassinos em heróis empreendedores não é coisa nova. O
que refresca a ideia é fazer um povo explorar a miséria de si mesmo. Quando
Lazaro diz que em Cuba sempre foi muito difícil distinguir os bons dos maus, Brugués
direciona sua alfinetada não só para o governo totalitário e inflexível do
país, mas para o povo que se deixou lavar a mente e se calou. Em Juan dos Mortos, é hora de lutar.
Contra tudo, contra todos, a favor da liberdade.
E
por mais que o comentário do diretor sobre a iconoclastia surja óbvia aqui e
ali (ver zumbis sendo decepados à sombra da imagem de Che Guevara é um exemplo
da falta de refinamento, talvez proposital, de Brugués), Juan dos Mortos é um longa que raramente perde as batalhas que
disputa, por uma Cuba melhor, por um povo consciente e por um cinema de gênero
potente vindo de terras (e águas) caribenhas em uma viagem, assim como alguns
de seus personagens, para além dos limites territoriais de seu país, rumo ao
reconhecimento.
Juan de los Muertos, Cuba, 2011 

1 comment:
pelo seu texto parece que é mais um filme politico. E estreia no mesmo dia de Guarra mundial Z. o que é isso? Dia internacional dos zumbis?
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