Sunday, June 23, 2013

O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias


Entre as tantas páginas da História do Brasil, poucas são mais negras que a ditadura militar enfrentada pelo País a partir do Golpe de 64. Os “vinte anos que alguém comeu”, como já dizia um samba do Império Serrano (Eu quero, do carnaval de 1986), foram relatados nas telas dos cinemas e da TV brasileiras muitas vezes, mas o que Cao Hamburger faz em O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias alcança um resultado raramente atingido em produções que compartilham a mesma temática.
                                                     
Parte desse sucesso artístico se dá pelas decisões do cineasta ao, juntamente com os roteiristas Claudio Galperin, Bráulio Mantovani e Anna Muylaert, contar os horrores de uma época triste vista pelos olhos de uma criança, um recurso já utilizado no Cinema diversas vezes e que aqui dá mais uma prova de funcionar lindamente. Ambientada na primeira metade do governo Médici, a trama gira em torno de Mauro, um menino de 12 anos que é levado para São Paulo para passar uns tempos com o avô, enquanto os pais “saem de férias”. A palavra “ditadura” nunca é dita na frente do garoto, mas nem mesmo o pequeno se convence da ideia das férias. O problema é que o avô de Mauro falece antes de começar a tomar conta do neto, que acaba aos cuidados de Shlomo, judeu como boa parte da vizinhança do bairro de Bom Retiro.
                                               
A relação com Shlomo começa complicada, e o garoto sofre com a solidão, a distância dos pais e a falta de amigos. Quando ele se aproxima da jovem Hanna e de seus amigos, o longa toma um caminho que chega a lembrar Menino Maluquinho, de Helvécio Ratton, em seus momentos mais leves, mas a narrativa nunca nos deixa esquecer do momento de tensão e profunda tristeza vivida pelo Brasil nos meses que antecederam (e sucederam) a Copa de 70. Em um momento, Mauro anda com Hanna pela rua quando um cachorro avança em sua direção. Em outro, um muro amanhece pichado com a frase “Abaixo a ditadura”. A direção de Cao Hamburger é lúcida e consciente do poder do tema, se aproveitando dele para explorar o estado de confusão mental de Mauro em planos belíssimos (e dois deles são especiais: a primeira vez em que, pela janela do Fusca, o garoto vê os prédios de São Paulo e as estruturas de concreto se fundem com o rosto do protagonista através do reflexo do vidro, e o momento em que o cineasta enquadra Mauro por trás das grades de um elevador).

O longa ainda se dá ao luxo de possuir outras discussões em foco. O conflito de gerações, o mosaico racial (“Eu descobri o que eu queria ser: um negro voador.”) e religioso do País e o papel da fantástica Seleção do tricampeonato mundial como arma política e combustível para a luta do povo (em contraste da função de anestésico, de ópio, que o futebol geralmente desempenha) são tópicos que frequentemente entram em pauta, e por isso Minha Vida de Goleiro, o nome do livro do qual O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias foi adaptado. Vida de Goleiro, o nome original do roteiro, parece um título mais aberto a reflexões acerca da função mais solitária do futebol em relação à vida do protagonista, e faria ainda mais justiça ao sensacional trabalho de Cao Hamburger.

O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, Cao Hamburger, 2006 

2 comments:

joão said...

Boa dica. é um daqules filmes que você quer ver, mas acaba esquecendo. vou assitir

Raquel Raposo said...

Achei o filme muito bom!! Muito bom mesmo!!
Dei 4 estrelinhas na avaliação do Netflix e nem tinha visto sua avaliação!! *-*