Tuesday, October 01, 2013

Lovelace

Ao lado do bom telefilme A Garota, sobre a péssima experiência de Tippi Hedren nas mãos de Hitchcock, Lovelace figura em um nicho altruísta das cinebiografias, transformando o longa sobre Linda Lovelace, estrela do clássico pornô Garganta Profunda e uma das mais célebres pornstars de todos os tempos, em uma forma de fazer justiça com a câmera. É difícil dizer se os diretores Rob Epstein e Jeffrey Friedman quiseram fazer de seu filme apenas um pedido de desculpas de 90 minutos, mas ao fim da projeção, e pela estratégia adotada em seu terceiro ato, essa é a única impressão que fica.

Escrita por Andy Bellin, a trama aborda a juventude de Linda (Amanda Seyfried), Boreman no início, de forma extremamente didática e econômica, mostrando em alguns minutos o fim da adolescência da protagonista e seu relacionamento com Chuck Traynor (Peter Sarsgaard), que viria a ser seu marido e responsável por sua entrada no mundo da pornografia. Após apresentar Linda ao público, a narrativa salta para o envolvimento de Linda, agora Lovelace, com a feitura de Garganta Profunda, filme do qual foi estrela, e aos poucos alguns segredos de sua vida ao lado de Chuck, que se revela um crápula, são revelados.
                                                                                                 
Com recriação de época cuidadosa, méritos para o design de produção de Willian Arnold e os figurinos de Karyn Wagner, Lovelace ganha muitos pontos por despertar credibilidade, já que a narrativa exageradamente episódica (possuindo inclusive letreiros que exibe constantes saltos envolvendo o número “6”, “6 meses depois”, “6 anos depois”), dá uma cara de telefilme malcuidado que vai de encontro às pretensões de Epstein e Friedman. Essa natureza episódica acaba comprometendo o resultado, pois impede que o espectador tenha tempo de se envolver com os diversos momentos de Linda retratados na tela. Acontece sempre da mesma forma: quando o namoro de Linda com Chuck começa a engrenar, a narrativa salta, quando Lovelace começa a retratar o sucesso e a influência cultural de Garganta Profunda, a narrativa salta, e é assim até o fim.

Os modos como os diretores, auxiliados pelos montadores Robert Dalva e Matt Landon, lidaram com o didatismo do texto não afetam, contudo, o bom elenco. Amanda Seyfried é uma Linda Lovelace não necessariamente real, frequentemente idealizada, mas surpreendente. Peter Sarsgaard consegue dar estofo a Chuck, utilizando seu ar de bom moço para chocar ainda mais o espectador nas cenas em que ele “vende” Lovelace. Além das curtas, mas ótimas participações de Sharon Stone, como a mãe de Linda, e Hank Azaria, responsável por um dos momentos mais inspirados do longa, no qual ele diz que uma atriz pornô sem bunda e peito é como “um filme de guerra sem lutas”.

E dessa forma conflitante (bom elenco, narrativa capenga; tecnicamente interessante, mas com um texto problemático) caminha Lovelace, até o momento em que a trama entra na reta final. Seus últimos 40 minutos acabam sendo o momento mais discutível da produção. E se digo discutível, e não exatamente que o terceiro ato é problemático ou ruim é porque, de fato, diferentes opiniões podem surgir. Mas é curioso como apenas em sua reta final Rob Epstein e Jeffrey Friedman resolvem dar voz ao texto de Bellin na vitimização de Linda, transformando Chuck em um monstro e a trajetória da protagonista dentro do mercado pornô em um pesadelo. Os cineastas optaram pela narrativa linear, comportada, e não se debruçaram muito sobre as dificuldades de Linda (apesar de insinuar durante alguns momentos que Garganta Profunda era uma experiência pouco agradável para ela) até a sua reta final, quando resolvem jogar todo o sofrimento da personagem de Seyfried nas telas.

E quando rompe o véu de fantasia e resolve mostrar a ”verdade”, Lovelace revela suas reais intenções, goste-se ou não: pedir desculpas pelo esquecimento, e fazer justiça à importância de uma mulher que sofreu demais, mas, mesmo sem ter muita noção, mesmo tendo feito filmes contra sua vontade, foi uma das vozes femininas mais fortes de seu tempo e um dos símbolos da revolução sexual dos anos 70.

Lovelace, Rob Epstein e Jeffrey Friedman, 2013 

1 comment:

joao said...

acho uma biografia um tanto convencional, estilo Jonhy e June, Cazuza, Ray e o que define gostar ou não é o quanto a trajetória do personagem te envolve e da atuação do ator/atriz principal

dito isso, eu gosto desse filme.