Nos
primeiros minutos de Azul é a Cor Mais
Quente, de Abdellatif Kechiche, Adèle (Adèle Exarchopoulos) explica a
Thomas (Jérémie Laheurte) o porquê de gostar tanto de ler La Vie de Marianne, romance clássico de Pierre de Marivaux. De acordo
com a jovem, apesar do vocabulário antigo e extremamente rebuscado, o romance
possui uma visão muito interessante dos sentimentos.
Por
causa de Marivaux o longa de Kechiche foi originalmente batizado como La Vie d’Adèle, A Vida de Adèle (Azul é a Cor
Mais Quente é o nome da HQ na qual o filme se baseia), um título que parece
muito apropriado pela maneira como a câmera do diretor tunisiano aborda e
acompanha a protagonista, sempre em closes reveladores, buscando um retrato de
reações, mesmo que elas sejam quase imperceptíveis por parte da belíssima
composição de Exarchopoulos para a adolescente que reconhece o amor da sua vida
na estudante de Belas Artes Emma.
Kechiche
vende seu filme como desprendido e descolado, apesar de levantar suas
bandeiras, mas não consegue fugir do fetichismo na forma como fecha o plano em
suas atrizes e suspende a trilha sonora, mesmo a diegética, nas cenas que
envolvem as protagonistas na cama.
O
sexo entre as jovens, ponto que transformou o longa no filme europeu mais
badalado do momento, é muito bem filmado por Kechiche, mas desvia o foco do que
deveria ser o grande achado por aqui. Mais do que o realismo das cenas, que
pode impressionar os desavisados, é o encantamento surgido do trabalho das
atrizes que merece ser louvado. No papel Emma Léa Seydoux, tanto na primeira
parte do longa (quando exibe as madeixas azuis que batizam a tradução), quanto
na segunda, quando o orgasmo dos sonhos dá lugar à vida real, confirma o
talento anunciado em filmes como Meia-Noite
em Paris e o maravilhoso A Bela Junie.
Já Adèle, uma das personagens mais apaixonantes da temporada, encontra no olhar
distante e nas lágrimas de Exarchopoulos uma representação perfeita.
Auxiliada
pelo diretor, a atriz toma decisões que buscam o naturalismo em sua composição.
Alguns detalhes, como a forma como Adèle ajeita as calças toda vez que sai de casa,
por exemplo, enriquecem a parceria de Kechiche e Exarchopoulos. Outros pontos,
como o muco que escorre nas cenas de choro são de uma exacerbação que vai
contra o realismo empregado no resto da narrativa. Se a primeira reação das
pessoas é limpar o nariz quando o muco escorre, porque deixá-lo chegar aos
lábios?
Nada
que comprometa o resultado final. Justificando cada um de seus 179 minutos, Azul é a Cor Mais Quente é um dos
trabalhos mais sensíveis da temporada. Alguns podem reclamar do final, ou
finais, alegando que Kechiche não sabia ou não queria terminar seu filme,
criando uma barriga inexplicável em sua obra. Eu discordo. O cineasta faz com o
encerramento de seu filme uma espécie de metáfora para o fim de um
relacionamento. É como um elástico, que o casal estica e volta, estica e volta,
estica e volta até que, enfim, ele arrebenta. Lindo demais.
La Vie d’Adèle,
Abdellatif Kechiche, 2013 

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