É
um prazer assistir e captar toda a inteligência de Um Estranho no Lago, filme que costura uma trama de suspense com
toques clássicos a reflexões sobre riscos e sexualidade masculina. Lançando mão
de uma narrativa que se desenvolve em apenas uma locação e com poucos
personagens, o diretor e roteirista Alain Guiraudie construiu um dos trabalhos
mais bem resolvidos da temporada.
O
cenário é um lago, isolado, utilizado como praia de nudismo homossexual pelos homens
que o visitam. Os homens sentem-se protegidos para flertarem no local e fazerem
uso do bosque atrás do lago para o sexo. Franck é um jovem visto constantemente
no lugar, e acaba fazendo amizade com Henri, que se senta isolado dos outros
homens a fim de observar as águas e a paisagem após o fim de um relacionamento
com uma mulher. Em suas visitas diárias ao lago, Franck acaba testemunhando um
assassinato cometido por Michel, por quem ele é apaixonado.
Guiraudie
constrói sua trama em cima do voyeurismo, e o faz através de sua mise-en-scène,
como a câmera que se coloca atrás de arbustos quando o diretor se propõe a
observar as relações sexuais dos homens no bosque. Esse sexo macho filmado pelo
diretor transforma o lago em mais do que apenas um cenário pitoresco: o local é
microcosmo do mundo, onde o gozo encontra conforto e espaço para aflorar em
toda sua essência. O cineasta, sem incorrer no cinema panfletário, faz dessa
natureza isolada a ambientação perfeita para o desenrolar de sua investigação
sobre o comportamento.
Comportamento
que se modifica conforme a vida se desenrola e Franck, por ser o protagonista,
é o alvo dos acontecimentos e do processo de metamorfose comportamental que
ocorre durante Um Estranho no Lago.
No início desdenhoso de responsabilidades e sem temer a intimidade com um
desconhecido (em uma cena ele aparece disposto a transar com quem acabou de
conhecer, nem um pouco preocupado sobre o fato de seu companheiro não ter mais camisinhas),
Franck acaba se tornando muito mais cauteloso ao ver seu mundo modificado após
testemunhar o assassinato.
Apesar
disso, o amor que sente por Michel não o deixa se afastar. Um conceito batido e
explorado por dezenas de produções, e que Guiraudie resolve reabordar em tons verdadeiramente
hitchcockianos. O suspense crescente
após a visão, à distância, do homem sendo morto, e como Franck parece dividido entre
o pavor e o amor ao ser interrogado pelo investigador interpretado por Jerome
Chappatte são recursos explorados à exaustão pelo mestre do suspense e dos
quais o diretor francês lança mão sem medo.
Ao
iniciar sua narrativa como um filme sobre a sexualidade masculina (menos suave,
dependendo menos de laços sentimentais, mas não menos sensível do que a
feminina), e lentamente transformá-la em um suspense clássico, Alain Guiraudie
já mereceria aplausos. No entanto, o cineasta mergulha de cabeça em suas
ambições: coloca os personagens em um movimento cíclico, escondendo-se de seus
temores e de suas verdades, mas sendo perseguidos por eles no escuro. Ao
encerrar Um Estranho no Lago na
penumbra, sem oferecer uma saída fácil (se ao menos houver uma), Guiraudie vai
além do filme de gênero, da referência, e constrói uma experiência entre as mais impressionantes de 2013.
L’inconnu Du Lac, Alain Guiraudie, 2013
1 comment:
otimo texto, mas nao senti todo esse clima. achei o filme um tanto explicito e cansativo
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