Friday, January 31, 2014

O Lobo de Wall Street

Tem se falado muito sobre algumas questões ideológicas supostamente levantadas por O Lobo de Wall Street, quinta parceria de Martin Scorsese com Leonardo DiCaprio e que, sem dó, escancara (com exagero proposital) todos os absurdos da rotina dos especuladores da Bolsa e as quantias de dinheiro movimentadas pelo mercado financeiro norte-americano. Os mais críticos afirmam que, com sua abordagem pendendo para o humor, Scorsese e seu roteirista Terence Winter enaltecem o malandro e defendem o canalha Jordan Belfort como um anti-herói que o americano comum precisa conhecer.

Tal alegação, no entanto, não se sustenta se analisarmos o longa como parte da filmografia de Scorsese, em vez de uma obra destacada, isolada de qualquer contexto. Belfort é, na verdade, parte de uma galeria de personagens com trajetórias pessoal e profissional semelhantes, abordados muitas vezes pelo cineasta nas telas. Personagens com um escalada veloz rumo ao sucesso e ao reconhecimento profissional mas que, devido a seus próprios erros e desvios de conduta, acabam se envolvendo em uma espiral autodestrutiva que envolve também a todos que os cercam.

Diferente de outras abordagens, como a trágica ruína de Jake La Motta em Touro Indomável, por exemplo, aqui a comédia acaba sendo peça fundamental para o retrato do ridículo (apesar de, sim, atraente) e esbanjador modo de viver de Jordan e seus parceiros de especulação, que enriquecem ao fundarem a Stratton Oakmont, empresa que negocia pennystocks (papéis de baixo valor no mercado financeiro, mas que em compensação garantem um retorno financeiro muito maior ao corretor). O texto de Winter é muito feliz ao acompanhar, sem pudores e sem medo de apostar no humor escrachado, os anos de trabalho e prosperidade de Belfort, e o ritmo extremamente ágil da narrativa (com direito a narração e quebra da quarta parede por parte do protagonista) encontra em Scorsese, um cineasta do tipo que não se priva de filmar violência e sexo se necessário, o comandante certo.

A saga da Stratton Oakmont e de seus comandantes possui nuances em comum com outras obras do diretor ítalo-americano, enquanto a natureza pouco ética e por vezes ilegal dos negócios e o dinheiro movimentado aproxima os personagens dos criminosos de Cassino e Os Bons Companheiros. Destes filmes, os melhores realizados por Scorsese nos anos 90, o diretor pega emprestado o exagero no retrato daqueles universos e o já citado humor, aqui elevado a proporções inimagináveis, refletindo inclusive na ótima trilha sonora, e que acaba funcionando principalmente pela entrega do belo elenco de coadjuvantes (com destaque para a rápida, mas impagável, participação de Matthew McConnaughey e para Jonah Hill, sua cara de idiota chapado e sua punheta na festa) e da composição de DiCaprio.

No auge de sua carreira, e escolhendo cada vez melhor seus projetos, DiCaprio mergulha no personagem de uma forma nunca vista em seus trabalhos anteriores. O ator se apropria de Jordan de tal forma que engole a todos em cena com ele. E Scorsese parece ser um dos cineastas que melhor conhece o talento do astro, apostando inclusive no humor físico e retirando dele uma atuação digna dos prêmios que ele vem recebendo por aí.

Após uma década filmando sua própria cinefilia e os temas que a moldaram, é curioso ver que a novidade em O Lobo de Wall Street é justamente ele ser uma volta ao passado do cineasta, aos filmes de gângsteres (apesar de não sê-lo, se aproveita de estrutura semelhante em sua hora final), embalado em um ar farsesco que, inexistente em seus filmes mais recentes, refresca seu cinema e reinaugura uma fase que pensávamos não voltar mais, quando o diretor se utilizava da história recente dos EUA (antes os estragos da Guerra do Vietnã, agora a crise financeira de 2008, causada justamente pela especulação) para contar suas histórias e mostrar que a fantasia do Sonho Americano nunca poderia ser vivida através do trabalho honesto.

The Wolf of Wall Street, Martin Scorsese, 2013 

3 comments:

Raquel Raposo said...

Excelente filme.

joão said...

Não o vi como heroi, mas também não concordo que se tem que analisar a obra do Scorsese. Cada filme é cada filme, é como entender um filme só se tiver lido o livro. Jose padilha foi chamado de fascista pelo primeiro tropa de elite e ônibus 174(filme anterior) mostra que fascismo era algo que não combinava com o diretor, porém ignoraram esse fato.

Filme espetacular

Vitor said...

Oque eu quis dizer é que O Lobo de Wall Street é um filme que o Scorsee já cansou de fazer, e que tais alegações são incabíveis.