Friday, March 21, 2014

A Um Passo do Estrelato

Vocal de apoio, backing vocal, backup singer, não importa a nomenclatura. Profissão difícil, essa. Não que seja difícil exercê-la, já que a voz, ao contrário de qualquer instrumento que se precise aprender a tocar, é um dom e vem de berço. A dificuldade vem da paciência de esperar a sua vez, de estar atrás do astro no palco, posicionado entre o cantor e o baterista, sonhando em ser o/a chefe da comitiva, o/a cantor principal, o/a pop star.

O belo documentário de Morgan Neville é, entre outras coisas, sobre esse sentimento, sobre essas cantoras que convivem com os flashes, tendo a esperança de que um dia eles espoquem para elas. A Um Passo do Estrelato é também um filme sobre o amor pela música, e sobre fazer justiça para com profissionais que colaboram para o sucesso de artistas e bandas, e nem sempre recebem os créditos que lhes são de direito.

Já na abertura, Neville já entrega sua proposta, em uma montagem interessante de fotos que destacam as backup singers enquanto os astros aparecem com os rostos cobertos por tarjas. Essa tendência vai seguir o longa até o final. Os astros (Sheryl Crow, Mick Jagger, Bruce Sprigsteen, Stevie Wonder, além de imagens de arquivo de David Bowie, Michael Jackson e Ray Charles) não são astros, são fãs, e as verdadeiras estrelas são aquelas que serviram como parte do suporte que os fizeram atingir o sucesso.

A Um Passo do Estrelato é um documentário que remonta a trajetória das backing vocals negras através de depoimentos, construindo sua narrativa em cima de relatos. Essa estrutura é parte do que faz do longa um projeto tão apaixonado. Aqui, ao ouvir algumas das maiores cantoras dos EUA, como Darlene Love, Merry Clayton (que fez história pela participação em “Gimme Shelter”, dos Rolling Stones), Tata Veja e Lisa Fischer, Neville revela mais uma faceta dessas mulheres, além da voz estupenda: seus dotes como contadoras de histórias.

É através delas que o espectador entra em contato com a vida, com os bastidores, com as alegrias e frustrações das artistas, histórias que descortinam a alegria de se ter trabalhado com Ray Charles e Michael Jackson, e a decepção de ter sua carreira solo engavetada pela gravadora, mesmo após um Grammy.

O cineasta as ouve, e através dessas histórias ora engraçadas, ora tristes, A Um Passo do Estrelato consegue chegar a algum lugar.

Esse lugar, dentro do espectador, fica entre o prazer de ouvir aquelas vozes, a tristeza pelo fracasso de algumas na busca pelo sucesso (que bateu à porta apenas uma vez) e o medo de as mais novas, como Judith Hill (que ficou famosa após cantar no tributo à memória de Michael Jackson, em 2009), acabarem encontrando as mesmas dificuldades pelas quais Fischer, Vega e Clayton passaram na geração anterior.

E Morgan Neville tem responsabilidade direta em transformar essas mulheres em heroínas, em símbolos da musicalidade e da paixão pelos palcos, em dar a essas divas a chance, mesmo que um pouco tardia, de experimentarem o sucesso novamente, de sentirem o gosto de serem estrelas e de ouvirem suas vozes com o destaque merecido.

20 Feet from Stardom, Morgan Neville, 2013 ½

1 comment:

Raquel Raposo said...

Amei o documentário!
É um sonho ter uma dessas vozes. E eu pensei: "por que não nascia lá e fiz parte daqueles corais?"
Ótimo texto.