Tuesday, March 11, 2014

RoboCop

Por ser uma refilmagem, em especial de um dos grandes filmes cult dos anos 80, RoboCop já tinha seus detratores antes mesmo de ser lançado. Como se não bastasse a pressão de fazer seu primeiro trabalho em Hollywood, José Padilha lidou com pré-conceitos acerca de sua obra. Não que isso tenha afetado seu longa. Muito pelo contrário: a maior virtude da renovação de RoboCop nas telas é seu diretor que, indo na direção contrária à que se imaginava resolveu, ao invés de repetir o filme original, entendê-lo.

Pra mostrar que apenas entendeu o original e impor sua visão, no entanto, o diretor acaba optando por uma estratégia que busca frustrar o fã xiita através da geração de expectativa. Nos créditos iniciais, por exemplo Padilha insere a trilha sonora clássica, mas nos primeiros minutos muda toda a apresentação da trama. Depois, vemos o prateado da armadura do protagonista se tornar preto. Através de atitudes como essa, o cineasta faz seu filme ganhar personalidade própria.

RoboCop – O Policial do Futuro, além de ser um dos filmes policiais mais brilhantes de todos os tempos na construção de sua trama, é também um dos mais contundentes do gênero por sua inteligência e sagacidade para tratar de temas ligados diretamente à perpetuação e ao combate do crime, como as grandes companhias e a força midiática do retrato da força policial pintado pela TV (o primeiro vislumbre que tínhamos de RoboCop, inclusive, era através de um monitor). Paul Verhoeven construiu sua narrativa e sua crítica em cima de um humor negro que funciona muito bem, mas que é característico de sua filmografia.

José Padilha entende isso muito bem, e ao invés de emular traços da direção e do comentário de Verhoeven, resolve adaptar a narrativa para os novos tempos e para seu estilo. Por isso, RoboCop tem muito mais pontos aparentes em comum com a obra de ficção do brasileiro (os dois Tropa de Elite, inclusive em seu polêmico discurso, que pode ser visto pelos detratores como um viés fascista por parte do seu diretor. Em certo momento, um discurso que um personagem faz acerca da afirmação do poderio e da supremacia é legitimado pela segunda aparição da trilha do longa original), do que com a obra que reinventa. Assuntos como a corrupção policial e o papel do jornalismo sensacionalista (Samuel L. Jackson substitui a dupla de jornalistas do longa original, vivendo uma versão norte-americana do apresentador vivido por André Mattos em Tropa 2) reaparecem em um longa de Padilha, enquanto semelhanças com o clássico de 87 acabam, para desespero dos fãs, diluídos.

Outras mudanças se dão também na importância dada a coadjuvantes, que recebem atores de peso, como Gary Oldman e Michael Keaton, para interpretá-los, e na construção das linhas gerais da trama. Antes, um policial recém-chegado a Detroit, Murphy é agora um tira completamente adaptado à violência extrema da cidade que protege. Por isso, o protagonista dessa reinvenção não seria ingênuo o bastante para ser encurralado e metralhado por bandidos, e os acontecimentos que o levam a ser posto dentro de uma armadura são outros.

Não, o espectador não verá aqui membros decepados por tiros de escopeta, ou banhos de ácido. Padilha acaba usando a seu favor as exigências do estúdio (não dá para se livrar de todas), que diminuiu a brutalidade para que RoboCop ganhasse uma classificação etária menor e um público maior. No cinema de Verhoeven, as explosões de sangue, aliadas às frases de efeito proferidas pelos personagens representam uma catarse, um alívio, um traço de humanidade em um herói que é quase todo máquina.

Nessa refilmagem, porém, a diminuição da violência (pelo estúdio) e das frases de efeito (por conta de Padilha e seu roteirista Joshua Zetumer), apesar da cena da desmontagem do protagonista (num raro gore dentro da projeção), reduzem a catarse a zero e evidenciam a frieza de seu protagonista. E basta repararmos na execução mecânica da vingança de RoboCop contra os algozes de Murphy, ou em seu anticlimático final para percebermos que a opção do cineasta funcionou.

Entretanto, apesar de suas qualidades, nem de longe o novo vence o antigo. O Policial do Futuro é um dos filmes mais importantes da História, e melhora a cada revisão. Seu irmão mais novo, porém, acaba sendo um projeto vitorioso à sua maneira sob qualquer aspecto ou prisma, funcionando como policial e como alegoria para a realidade. Ponto para José Padilha que conseguiu, já em sua estreia em terras norte-americanas, dar vida a um projeto que parecia fadado ao fracasso, mas que além de funcionar como blockbuster, acaba também levando questionamentos característicos de seu diretor para fora de seu cinema natal. Não sei se Hollywood estava preparada para tanta coragem, nem se gostou do resultado. Eu gostei.

RoboCop, José Padilha, 2014 ½

2 comments:

Raquel Raposo said...

Eu também gostei. E muito!
Achei o filme muito bom. E, lendo o texto, dá pra perceber mais ainda o quanto Robocop é parecido com Tropa de Elite. Mais do que percebi na hora.
Ótimo texto.

joão said...

nao assiti ao original ainda, mas acho lel que o remake não tente copiar o orginal e sim dar uma roupagem nova.

só que no fim das contas achei apenas um filme de ação com discussões rasas. algo que eu ainda nçao tinha visto no cinema de José padilha