Por ser uma refilmagem, em especial de
um dos grandes filmes cult dos anos 80, RoboCop
já tinha seus detratores antes mesmo de ser lançado. Como se não bastasse a
pressão de fazer seu primeiro trabalho em Hollywood, José Padilha lidou com
pré-conceitos acerca de sua obra. Não que isso tenha afetado seu longa. Muito
pelo contrário: a maior virtude da renovação de RoboCop nas telas é seu diretor
que, indo na direção contrária à que se imaginava resolveu, ao invés de repetir
o filme original, entendê-lo.
Pra mostrar que apenas entendeu o
original e impor sua visão, no entanto, o diretor acaba optando por uma estratégia
que busca frustrar o fã xiita através da geração de expectativa. Nos créditos
iniciais, por exemplo Padilha insere a trilha sonora clássica, mas nos
primeiros minutos muda toda a apresentação da trama. Depois, vemos o prateado
da armadura do protagonista se tornar preto. Através de atitudes como essa, o
cineasta faz seu filme ganhar personalidade própria.
RoboCop
– O Policial do Futuro, além de ser um dos filmes
policiais mais brilhantes de todos os tempos na construção de sua trama, é
também um dos mais contundentes do gênero por sua inteligência e sagacidade
para tratar de temas ligados diretamente à perpetuação e ao combate do crime,
como as grandes companhias e a força midiática do retrato da força policial
pintado pela TV (o primeiro vislumbre que tínhamos de RoboCop, inclusive, era
através de um monitor). Paul Verhoeven construiu sua narrativa e sua crítica em
cima de um humor negro que funciona muito bem, mas que é característico de sua
filmografia.
José Padilha entende isso muito bem, e
ao invés de emular traços da direção e do comentário de Verhoeven, resolve
adaptar a narrativa para os novos tempos e para seu estilo. Por isso, RoboCop tem muito mais pontos aparentes
em comum com a obra de ficção do brasileiro (os dois Tropa de Elite, inclusive em seu polêmico discurso, que pode ser
visto pelos detratores como um viés fascista por parte do seu diretor. Em certo
momento, um discurso que um personagem faz acerca da afirmação do poderio e da
supremacia é legitimado pela segunda aparição da trilha do longa original), do
que com a obra que reinventa. Assuntos como a corrupção policial e o papel do
jornalismo sensacionalista (Samuel L. Jackson substitui a dupla de jornalistas
do longa original, vivendo uma versão norte-americana do apresentador vivido
por André Mattos em Tropa 2)
reaparecem em um longa de Padilha, enquanto semelhanças com o clássico de 87
acabam, para desespero dos fãs, diluídos.
Outras mudanças se dão também na importância
dada a coadjuvantes, que recebem atores de peso, como Gary Oldman e Michael
Keaton, para interpretá-los, e na construção das linhas gerais da trama. Antes,
um policial recém-chegado a Detroit, Murphy é agora um tira completamente
adaptado à violência extrema da cidade que protege. Por isso, o protagonista
dessa reinvenção não seria ingênuo o bastante para ser encurralado e metralhado
por bandidos, e os acontecimentos que o levam a ser posto dentro de uma
armadura são outros.
Não, o espectador não verá aqui membros
decepados por tiros de escopeta, ou banhos de ácido. Padilha acaba usando a seu
favor as exigências do estúdio (não dá para se livrar de todas), que diminuiu a
brutalidade para que RoboCop ganhasse
uma classificação etária menor e um público maior. No cinema de Verhoeven, as
explosões de sangue, aliadas às frases de efeito proferidas pelos personagens
representam uma catarse, um alívio, um traço de humanidade em um herói que é
quase todo máquina.
Nessa refilmagem, porém, a diminuição da
violência (pelo estúdio) e das frases de efeito (por conta de Padilha e seu
roteirista Joshua Zetumer), apesar da cena da desmontagem do protagonista (num
raro gore dentro da projeção), reduzem a catarse a zero e evidenciam a frieza
de seu protagonista. E basta repararmos na execução mecânica da vingança de
RoboCop contra os algozes de Murphy, ou em seu anticlimático final para
percebermos que a opção do cineasta funcionou.
Entretanto, apesar de suas qualidades,
nem de longe o novo vence o antigo. O
Policial do Futuro é um dos filmes mais importantes da História, e melhora
a cada revisão. Seu irmão mais novo, porém, acaba sendo um projeto vitorioso à sua maneira sob qualquer aspecto ou prisma, funcionando como policial e como alegoria para
a realidade. Ponto para José Padilha que conseguiu, já em sua estreia em terras
norte-americanas, dar vida a um projeto que parecia fadado ao fracasso, mas que
além de funcionar como blockbuster, acaba também levando questionamentos característicos
de seu diretor para fora de seu cinema natal. Não sei se Hollywood estava
preparada para tanta coragem, nem se gostou do resultado. Eu gostei.
RoboCop,
José Padilha, 2014 ½
2 comments:
Eu também gostei. E muito!
Achei o filme muito bom. E, lendo o texto, dá pra perceber mais ainda o quanto Robocop é parecido com Tropa de Elite. Mais do que percebi na hora.
Ótimo texto.
nao assiti ao original ainda, mas acho lel que o remake não tente copiar o orginal e sim dar uma roupagem nova.
só que no fim das contas achei apenas um filme de ação com discussões rasas. algo que eu ainda nçao tinha visto no cinema de José padilha
Post a Comment