Nenhuma obra cinematográfica sai
incólume em relação aos efeitos da época em que é gerada. Nos últimos anos, o
Cinema presenciou a relativização do heroísmo, questionando seus heróis e estudando
o homem que enverga o ícone. Passaram por essa revitalização ícones das telas,
como o Batman e 007, que tiveram seu heroísmo exibido, sim, mas apenas como um
dos traços que faziam de Bruce Wayne e James Bond os seres humanos, admiráveis
mas passíveis de falhas, que eram.
Noé
segue a mesma cartilha. A adaptação para as telas de parte do livro de Gênesis,
além de um longa que reapresenta o subgênero do épico bíblico para as novas
gerações, é também um filme que estuda o homem por trás do mito. Esse é,
inclusive, o ponto mais interessante do longa: o Noé vivido por Russell Crowe
(com a canastrice apenas um pouco controlada) é um homem que apesar de
escolhido para salvar os inocentes do Dilúvio, acaba tendo que interpretar, não
necessariamente da maneira correta, as mensagens que lhe são enviadas pelo
Criador.
Esse viés humano não é novidade na
carreira do diretor Darren Aronofsky. Pelo contrário, se analisado em
perspectiva, Noé é um filme que, do
ponto de vista do tratamento dado ao protagonista, se encaixa bem na
filmografia do diretor. Em sua obstinação e força de vontade, sacrificando sua
sanidade e dificultando sua relação com a família (que possui Jennifer Connelly
como esposa e Emma Watson como filha adotiva), Noé não difere muito de Nina ou Randy, dos ótimos Cisne Negro e O Lutador que, ao contrário de Crowe, eram muito bem conduzidos por
Natalie Portman e Mickey Rourke. O roteiro (escrito por Aronofsky e Ari Handel)
é hábil em expor o peso do dever e a responsabilidade de ter sobre os ombros
uma ordem de Deus. Ainda mais se essa ordem envolve o extermínio da raça
humana, um Ato Divino que o texto não se priva de abordar e cuja crueldade não
teme analisar.
A revitalização não acontece apenas no
tratamento dado ao personagem principal, mas também ao gênero. São tomadas
algumas liberdades criativas em relação aos escritos bíblicos, como, por
exemplo, a arca construída em um formato prático e condizente com os recursos
que os personagens possuíam e a inclusão, e importância na trama, dos
Guardiões, que trazem uma nova perspectiva acerca dos acontecimentos, dão ao
filme uma cara mais de O Senhor dos
Anéis do que de A Bíblia... No
Início e embebem a narrativa de uma mitologia que mostra que, apesar de ser
fruto dos tempos atuais, do cinema e sua mania de realismo, Aronofsky não tem
medo de abordar o inegável teor mitológico inerente a qualquer texto religioso.
Mas ao mesmo tempo em que a intenção de
revitalizar o estilo é louvável, o mesmo não se pode dizer da realização. A sequência
da luta para entrar na arca é muito pouco empolgante para uma superprodução que
tanto prometeu em sua campanha de divulgação e o Dilúvio, apesar de bem
conduzido e com belos efeitos especiais, não consegue ser nada além disso, um
momento visualmente chamativo, mas chata e fria quando exibida no contexto. Talvez
seja por isso que os dois filmes anteriores de Aronosfky sejam tão melhores:
assim como aqui, são extremamente apaixonados por seus protagonistas, apesar de
reconhecer neles falhas que os tornam humanos. Mas na hora em que precisam
empolgar (o balé em Cisne Negro, a
luta final em O Lutador), em uma
quase epifania que inclusive ajuda a desenhar seu ponto de vista, eles são extremamente competentes, graças também ao talento de seus intérpretes.
Sobrou a Noé essa paixão, mas faltou
entrega-la ao público através da catarse.
Noah,
Darren Aronofsky, 2014
½

3 comments:
gostei muito do filme. acho que o talento do diretor ajudou muito. nao gostei dos efeitos especiais e as atuações são apenas corretas. Onde foi para o Russel Crowe de Uma mente Brilhante?
Acho a cena do dilúvio muito boa, principalmente a parte das pessoas na pedra.
Achei bom. Só isso.
Achei a história boa, de uma forma geral. Não gosto do Crowe, então não esperava nada dele.
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